top of page

Indagações de Hoje (Verbetes)



As mulheres citadas ao longo do poema são as seguintes:

 

Hipátia de Alexandria (circa 351/370 - 415) – filósofa neoplatônica grega do Egito Romano, assassinada brutalmente por uma multidão de cristãos, após ter sido acusada, injustamente, de haver exacerbado um conflito entre o governador Orestes (circa 415) e o bispo de Alexandria, Cirilo de Alexandria (circa 375 ou 378 - 444), bem como por ser uma pessoa que, segundo as más línguas, cultivava a dissidência, a magia negra e a animosidade cívica. Seu assassinato marcou o fim da Antiguidade Clássica e a queda da vida intelectual em Alexandria.

 

Joana d’Arc (1412-1431) – camponesa e santa francesa canonizada pela Igreja Católica, foi considerada uma heroína da França, devido aos seus feitos militares, durante a Guerra dos Cem Anos. Dizia ouvir vozes divinas do arcanjo Miguel, de Santa Margarida e Santa Catarina, os quais a teriam instruído a ajudar as forças de Carlos VII para livrar a França do domínio da Inglaterra. Portando roupas masculinas e munida de uma bandeira branca, Joana participou de várias batalhas, até ser capturada em 23 de maio de 1430, por um grupo de franceses que apoiavam a Inglaterra. Julgada pelo bispo Pierre Cauchon, que fez contra ela diversas acusações de cunho religioso, foi declarada culpada e sentenciada a morrer na fogueira. Joana d’Arc foi queimada viva em 30 de maio de 1431, com apenas 19 anos. Posteriormente, foi beatificada em 1909 e canonizada em 1920 pelo Papa Bento XV.

 

Ana Bolena (circa 1501/1507 - 1536) – também conhecida como “Ana dos Mil Dias”, foi a segunda esposa do rei Henrique VIII (1491-1597) e Rainha Consorte do Reino da Inglaterra, de 1533 até a anulação de seu casamento, dois dias antes de sua execução, ocorrida por decapitação, em 19 de maio de 1536. Ambiciosa, ousada e inteligente, defendeu mudanças na religião do país, assim como uma ampla reforma social, com mais direitos para os mais pobres, e tentou, a seu modo, fomentar uma legislação que cuidasse do tema. Contudo, seus interesses eram opostos, segundo alguns historiadores, aos planos de Thomas Cromwell (1485-1540), um conselheiro do rei que disputava poder com a nova rainha e não concordava com suas ideias reformistas. Por tais motivos, o conselheiro teria alimentado vários boatos que macularam a honra da rainha. Em maio de 1536, Ana foi presa, juntamente com cinco homens, com os quais foi acusada de estar cometendo adultério. Julgada, foi considerada culpada por alta traição, bruxaria e adultério, incluindo a acusação de que planejara matar Henrique VIII para poder fugir com um de seus amantes.

Mima Renard (?? - 1692) – Bela e cobiçada, a jovem franco-brasileira mudou-se da França para o Brasil com o marido, René. Instalaram-se na então Vila de São Paulo. Porém, quando as mulheres da vizinhança começaram a prestar atenção na beleza de Mima, a jovem estrangeira logo se tornou uma ameaça: apesar de casada, havia uma fileira de pretendentes ao seu dispor. Companheiro de uma mulher tão atraente, René logo se tornou alvo de diversas agressões, e, segundo relatos da época, acabou sendo assassinado por um homem que cobiçava sua esposa. Sozinha, sem ninguém para protegê-la, Mima passou a se prostituir para sobreviver. Foi sua ruína. Outras mulheres da Vila de São Paulo começaram a duvidar de sua índole e, assim, as primeiras acusações de bruxaria foram feitas. Na época, a comunidade feminina enxergou em Mima uma mulher ardilosa, que, através da bruxaria e do ocultismo, seduzia seus maridos. Mima foi denunciada, sem provas, ao pároco da vila, pelas esposas de seus clientes, e acusada de bruxaria. Foi julgada, condenada e queimada viva em uma fogueira pública, em 1692, na vila de São Paulo. Acabou se tornando um dos casos mais emblemáticos, durante o período de caça às bruxas no Brasil.

Dandara dos Palmares (?? - 1694) – guerreira negra, esposa de Zumbi dos Palmares (1655-1695), último líder do Quilombo dos Palmares, o maior quilombo do período colonial brasileiro. Quase não existem dados informativos sobre Dandara, mas sabe-se que ela teve três filhos com Zumbi; que fabricava espadas e dominava técnicas de capoeira, utilizadas para lutar ao lado de homens e mulheres nas várias batalhas resultantes de ataques a Palmares. Dandara participava da elaboração das estratégias de resistência do quilombo. Em 1693, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para comandar a tomada do Quilombo de Palmares. Em 6 de fevereiro de 1694, Palmares foi destruída, e Zumbi, ferido. Posteriormente, foi morto ao lado de 20 guerreiros, quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro (atual Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra) de 1695. Já Dandara, que não conseguira escapar do quilombo, preferiu cometer suicídio, ainda no mesmo dia da destruição de Palmares, jogando-se de uma pedreira ao abismo, a ter que retornar à condição de escrava. Em 2016, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou a inclusão do dia 6 de fevereiro no calendário estadual oficial. A partir de então, essa data passou a ser considerada como o Dia de Dandara e da Consciência da Mulher Negra.

 

Tereza de Benguela (?? - 1770) – líder negra quilombola. Viveu em lugar incerto, mas sabe-se que o quilombo ficava às margens do rio Guaporé, localizado no atual estado do Mato Grosso. Escrava fugida, Tereza foi esposa de José Piolho, líder que chefiava o Quilombo do Piolho ou do Quariterê, situado entre o rio e a atual cidade de Cuiabá, na década de 1740. Com a morte de José Piolho, no início dos anos 1750, Tereza se tornou a rainha do quilombo (chamavam-na de “Rainha Tereza”). Sob sua liderança, um exército de cerca de 100 guerreiros, formado, em sua maioria, por negros e indígenas, resistiram à escravidão durante duas décadas. A rainha Tereza comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas com os brancos ou roubadas das vilas próximas. Em 27 de junho de 1770, uma expedição foi enviada com a missão de destruí-lo. Chegaram ao local em julho, e abriram fogo contra os guerreiros, mas a maioria conseguiu fugir. O quilombo foi destruído pelas forças de Luís Pinto de Sousa Coutinho, e a população (79 negros e 30 índios) acabou morta ou aprisionada. Não há registros sobre o modo como Tereza morreu. Uma versão é a de que ela se suicidou, ao perceber que seria capturada. Outra, afirma que Tereza foi assassinada pelos bandeirantes paulistas. Atualmente, 25 de julho é considerado, por uma lei federal de 2014, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

 

Ursulina de Jesus (?? - 1754) – acusada de bruxaria por seu marido, Sebastiano de Jesus, que supostamente teria ficado estéril, em razão do uso de magia, por parte de Ursulina, contra ele. A amante de Sebastiano, Cesária, confirmou o testemunho no tribunal. Ursulina foi julgada e condenada por heresia e bruxaria. Sua pena foi morrer na fogueira, na Capitania de São Paulo, em 1754.

 

Joana Angélica (1761-1822) – religiosa concepcionista baiana, pertencente à Ordem das Reformadas de Nossa Senhora da Conceição, e primeira mártir da independência brasileira. Nascida durante o período colonial, morreu aos 60 anos de idade, no dia 20 de fevereiro de 1822, atingida por um golpe de baioneta, enquanto tentava resistir à invasão do Convento da Lapa, situado na Capitania de Salvador, pelas tropas portuguesas. Tornou-se, assim, a primeira heroína da independência do Brasil. No convento, foi escrivã, mestra de noviças, conselheira, vigária e, finalmente, abadessa. No dia da invasão, um grupo de soldados tentava arrombar o portão, enquanto Joana Angélica ordenava às irmãs que fugissem pelos fundos. A fim de proteger a clausura e a integridade das irmãs, a freira se colocou como último obstáculo entre o convento e a tropa lusitana. Em 22 de maio de 1923, durante uma reunião do Conselho Municipal de Salvador, foi apresentado e aprovado um projeto de lei que mudou o nome da Rua da Lapa (local onde ficava o convento) para avenida Joana Angélica. Por todo o Brasil, ruas e avenidas também ostentam o seu nome, como no caso da rua Joana Angélica, situada no bairro de Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro.

 

Rosa Luxemburgo (1871-1919) – filósofa e economista marxista polaco-alemã, tornou-se mundialmente conhecida pela militância revolucionária ligada à social-democracia. Participou da fundação do grupo de tendência marxista do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), que viria a se tornar, mais tarde, o Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em 1915, após o SPD apoiar a participação alemã na Primeira Guerra Mundial, Rosa fundou, ao lado de Karl Liebknecht, a Liga Espartaquista. Em 1° de janeiro de 1919, a Liga transformou-se no KPD. Em novembro de 1918, durante a Revolução Espartaquista, Rosa Luxemburgo fundou o jornal Die Rote Fahne (A Bandeira Vermelha), para dar suporte aos ideais da Liga. Rosa considerou o levante espartaquista de janeiro de 1919, em Berlim, como um grande erro. Contudo, ela apoiaria a insurreição que Liebknecht iniciou sem seu conhecimento. Quando a revolta foi esmagada pelas Freikorps, milícias nacionalistas compostas por veteranos da Primeira Guerra que estavam desiludidos com a República de Weimar, mas que rejeitavam igualmente o marxismo e o avanço comunista, Luxemburgo, Liebknecht e alguns de seus seguidores foram capturados e assassinados. Rosa teve seu crânio e seu rosto destroçados a pontapés; um tiro na nuca arrematou a execução. Em seguida, amarraram seu corpo a sacos com pedras e o jogaram num dos canais do rio Spree, perto da ponte Cornelius, em Berlim. Seu corpo só seria encontrado duas semanas depois.

Olga Benário (1911-1942) – Olga Gutmann Benário Prestes foi uma militante comunista alemã de origem judaica, filha de um advogado e membro ativo do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD). Nascida em Munique, com apenas 15 anos, em 1923, juntou-se à organização juvenil do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em 1931, Olga foi enviada ao Brasil, por determinação da Internacional Comunista, para apoiar o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o político comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990), com o objetivo de liderar uma revolução armada com o apoio de Moscou. Olga e Prestes se apaixonaram de imediato e foram viver juntos na clandestinidade. Em novembro de 1935, enquanto os preparativos insurrecionais eram planejados, um levante armado estourou na cidade de Natal, o que fez com que Prestes ordenasse que a insurreição fosse estendida ao resto do país. Todavia, somente algumas unidades militares de Recife e do Rio de Janeiro sublevaram-se. A insurreição foi duramente reprimida pelo governo de Getúlio Vargas (1882-1954), e vários líderes comunistas foram presos. O episódio ficou conhecido como “Intentona Comunista”. Após o fracasso da operação, Olga e Prestes passaram a viver na clandestinidade por mais alguns meses, mas acabaram sendo presos em 1936. Na prisão, Olga descobriu que estava grávida de Prestes. Ainda no mesmo ano, foi deportada para a Alemanha nazista. Em 18 de outubro de 1936, foi levada para a Barnimstrasse, prisão de mulheres administrada pela Gestapo, onde nasceria sua filha, Anita Leocádia Prestes, a qual permaneceria com ela até o fim do período de amamentação, sendo, posteriormente, entregue à avó, D. Leocádia. Olga foi executada em 23 de abril de 1942, aos 34 anos de idade, em uma câmara de gás, com mais 199 prisioneiras, no campo de extermínio de Bernburg.

Maria Bonita (circa 1910/1911 - 1938) – Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida como Maria Bonita, foi uma cangaceira brasileira, companheira de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938). Primeira mulher a participar de um grupo de cangaço, em 1929 conheceu e se apaixonou por Lampião. Logo tornaram-se amantes. Ainda no mesmo ano, fugiu com Virgulino e entrou para o seu bando. Conhecida por sua beleza e personalidade forte, diferentemente das demais mulheres do cangaço, ela jamais foi abusada sexualmente pelos cangaceiros. Em 28 de julho de 1938, quando os cangaceiros estavam acampados no sertão de Sergipe, o grupo foi atacado de surpresa pela polícia armada oficial. Quase todos os cangaceiros foram mortos a tiros e, posteriormente, degolados. Ao tentar fugir, Maria foi baleada no abdômen e nas costas. Em seguida, foi decapitada viva. Seu corpo, no entanto, teve outro destino: enquanto as cabeças de 11 cangaceiros – incluindo a de Virgulino e a dela – foram exibidas em vários estados nordestinos, atraindo uma multidão de curiosos, o corpo de Maria Bonita foi abandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina. Para as autoridades, Lampião e seu bando simbolizaram a brutalidade, o mal, uma “doença” que precisava ser extirpada a qualquer custo. Contudo, para grande parte da população sertaneja, Virgulino Ferreira da Silva encarnou valores como a bravura, o heroísmo e o senso de honra, qualidades que também foram atribuídas a Maria Bonita. Em 2006, a prefeitura de Paulo Afonso restaurou a casa da infância da cangaceira e inaugurou o Museu Casa de Maria Bonita no local.

 

Dália Negra (1924-1947) – Elizabeth Short, mais conhecida como Dália Negra, foi uma atriz norte-americana. Assassinada por razões desconhecidas em 1947, aos 22 anos, seu corpo foi encontrado mutilado e esquartejado em um terreno baldio, na cidade de Los Angeles. O caso ficou conhecido como Dália Negra (Black Dahlia), depois que a imprensa começou a se referir à atriz dessa forma, associando-a ao filme Blue Dahlia, do ano anterior. O crime marcou época, não apenas por sua brutalidade, mas sobretudo por permanecer até hoje sem solução. O caso recebeu uma grande cobertura da mídia, o que levou 59 pessoas a “confessarem” o assassinato. Todas, porém, foram descartadas. Ao todo, 25 suspeitos foram investigados, mas a polícia nunca chegou a uma conclusão a respeito da autoria, bem como de uma possível motivação do crime.

 

Aída Curi (1939-1958) – jovem de 18 anos de idade, que, ao caminhar com uma colega no bairro de Copacabana, no dia 14 de julho de 1958, foi abordada por três rapazes e levada, forçadamente, até um prédio, localizado na Avenida Atlântica. Foi uma violência sexual premeditada (na época conhecida como “curra”). Segundo testemunhas, Aída foi puxada para dentro do elevador e, aos berros, chegou ao topo do prédio. Um jornal da época noticiou que tudo ocorreu num apartamento do 12º andar, ainda em fase de acabamento, onde os agressores, Ronaldo Castro, de 19 anos, Cássio Murilo, de 17, e o porteiro Antônio Souza, de 27 anos, imobilizaram a jovem. Ronaldo e Cássio foram ajudados pelo porteiro do prédio, Antônio. Durante 30 minutos, Aída foi espancada com grande violência e sofreu tentativas de estupro. A vítima teria desmaiado, em razão da exaustão física. Ainda viva, foi atirada do terraço, numa tentativa de simulação de suicídio. De acordo com o laudo médico da autópsia, Aída morreu virgem, i.e., o abuso sexual não chegou a ser consumado. Ainda de acordo com o laudo, o corpo da vítima apresentava escoriações e equimoses provocadas por unhadas e socos. Foram encontrados, ainda, sinais de forte trauma no queixo, marcas nos braços, antebraços, punhos, dorsos das mãos (significando “ferimentos de defesa”), além de algumas marcas no tórax que poderiam ser consequência de mordidas, e outras no pescoço, apontando para uma tentativa de estrangulamento. A defesa dos rapazes apresentou uma versão, afirmando que ela teria se matado, pulando do 12° andar, para fugir do ataque. Contudo, havia indícios que desmentiam essa versão, levando a crer que a jovem realmente fora assassinada, e não se suicidara. Entre as evidências, foi encontrado um lenço manchado de sangue na bolsa de Aída. No primeiro julgamento, Ronaldo Castro foi condenado a 37 anos e meio de prisão. O porteiro Antônio Sousa foi condenado a 30 anos, e Cássio, considerado como o verdadeiro assassino, não pôde ser julgado, por se tratar de menor de idade. A defesa recorreu e conseguiu um segundo julgamento, o qual aconteceu em março de 1959. Ronaldo foi absolvido da acusação de homicídio. O júri julgou que o único responsável pela morte da vítima era Cássio, eximindo de culpa também o porteiro, que, após ser absolvido no segundo julgamento, nunca mais foi visto. Por ser menor e inimputável, Cássio Murilo foi encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar. Alguns anos depois, foi acusado de matar um vigia de automóveis. Fugiu para o exterior, até que a pena pelo assassinato prescrevesse. Em 1978, Cássio acabou sendo assassinado, num incidente não esclarecido totalmente. Houve, ainda, um terceiro julgamento, no qual Ronaldo foi julgado por homicídio simples e tentativa de estupro, e condenado a uma pena de somente 6 anos de reclusão. Depois de cumpri-la, Ronaldo foi solto. Em homenagem à Aída Curi, há uma rua, no bairro de Taquara, subúrbio do Rio, batizada com o seu nome.

 

Irmãs Mirabal – Patria Mercedes Mirabal (1924-1960), Minerva Argentina Mirabal (1926-1960) e Antonia María Teresa Mirabal (1936-1960) foram três irmãs dominicanas que se opuseram à ditadura de Rafael Trujillo (1891-1961), presidente e ditador durante 31 anos da República Dominicana. Nascidas em uma família de classe alta, na província de Salcedo (atualmente chamada de Hermanas Mirabal), as irmãs Mirabal são consideradas, hoje, um dos maiores símbolos mundiais da luta contra a violência à mulher. Casadas e com filhos, nunca deixaram o ativismo político de lado, mesmo com todos os riscos iminentes. Quando Trujillo chegou ao poder, a família Mirabal perdeu a casa e todo o seu dinheiro. As três irmãs acreditavam que Trujillo levaria o país ao caos econômico, e, em razão disso, passaram a integrar, juntamente com seus maridos, o grupo clandestino de extrema esquerda Movimiento Revolucionario 14 de Junio, liderado por Manolo Tavárez Justo (1931-1963). Nesse grupo, elas ficaram conhecidas como “Las Mariposas” (“As Borboletas”, em português), já que esse era o nome que Minerva usava para se identificar em suas atividades políticas. Minerva Argentina e Antonia María Teresa, juntamente com seus maridos, foram presas, torturadas e estupradas. Em 18 de maio de 1960, as duas irmãs e seus maridos foram julgados e condenados a três anos de prisão. Contudo, três meses depois, no dia 9 de agosto, Trujillo ordenou que Minerva e María Teresa fossem libertadas. Em seguida, determinou a realização de uma operação para assassiná-las. Em 25 de novembro, Patria, Minerva e María Teresa foram interceptadas pela polícia secreta e, juntamente com o motorista Rufino de la Cruz, sequestradas. Os quatro foram espancados, enforcados e jogados em um barranco, dentro de um jipe, na tentativa de simulação de um acidente de carro. No entanto, ao serem encontrados, os corpos apresentavam sinais de tortura. O crime teve grande repercussão. Por serem conhecidas nacionalmente, devido à sua atividade política, seus assassinatos marcaram a história da República Dominicana e contribuíram, diretamente, para a derrubada do ditador. No Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho de 1981, realizado em Bogotá, Colômbia, a data do assassinato das irmãs foi proposta pelas feministas para ser o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta Contra a Violência à Mulher. Em 17 de dezembro de 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 25 de novembro como o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, em homenagem ao martírio das irmãs Mirabal.

 

Dana de Teffé – Dana Edita Fischerova de Teffé, nascida Dana Edita Fischerova (1921-1961), foi uma socialite e milionária, supostamente vítima de assassinato, cujo corpo, porém, nunca foi encontrado. O “Caso Dana de Teffé” movimentou a opinião pública brasileira e o imaginário popular, nos anos 1960. Nascida na antiga Tchecoslováquia, numa rica família judaica de Praga, Dana de Teffé passou por vários países, antes de chegar ao Brasil, no dia 30 de outubro de 1951. Na Itália, foi casada com o famoso militar e político fascista Ettore Muti (1902-1943). Na Espanha, com Alberto Díaz de Lope-Díaz (1907-1993), dentista, dono de uma das mais conceituadas clínicas de Madri. No México, com o jornalista Carlos Denegri (1910-1970). Ela falava seis idiomas. No Brasil, casou-se com o piloto automobilístico e diplomata brasileiro Manuel de Teffé (1905-1967), neto do Barão de Teffé (1837-1931). Manuel de Teffé era de uma família muito rica. Após a separação do casal, Dana, que continuou a usar o sobrenome do marido, contratou o advogado Leopoldo Heitor de Andrade Mendes (1922-2001), para cuidar de seus interesses. Supostamente, ambos tornaram-se amantes. Em 29 de junho de 1961, durante uma viagem pela Via Dutra, em direção a São Paulo, em companhia de Leopoldo Heitor, Dana de Teffé desapareceu. O advogado foi preso, julgado e condenado por assassinato. Em seus depoimentos, contou três versões completamente diferentes para o desaparecimento de Dana. Leopoldo, munido de uma procuração, apossou-se dos bens de Dana, logo após o seu desaparecimento. Preso, Leopoldo Heitor conseguiu fugir e, somente alguns anos mais tarde, foi recapturado. A condenação do primeiro julgamento foi anulada e, num segundo julgamento, ele obteve a absolvição. O motivo foi a ausência do cadáver.

 

Iara Iavelberg (1944-1971) – militante de extrema esquerda, integrante da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Psicóloga e professora, na clandestinidade tornou-se companheira de Carlos Lamarca (1937-1971), ex-capitão do Exército Brasileiro e um dos principais líderes da oposição armada ao governo militar no Brasil. Nascida numa família rica de judeus paulistanos, aos 20 anos de idade tornou-se adepta do amor livre, moda na época. Alta, bonita, de olhos claros e corpo escultural, virou a musa da intelectualidade estudantil paulista de esquerda, em meados da década de 1960. Iara entrou para o movimento estudantil e, militando no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), conheceu Carlos Lamarca, comandante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), em abril de 1969, apenas dois meses depois do militar ter desertado do Exército. O casal era um dos mais procurados pela ditadura militar, inclusive com fotos espalhadas por todo o país. Os dois foram viver juntos e passaram 10 meses escondidos em “aparelhos”, nos mais variados lugares. Nos primeiros meses de 1971, a maioria das organizações de esquerda já estavam desarticuladas e semidestruídas, e os restos da VPR juntaram-se ao MR-8. Na nova organização, Iara, intelectual, teve um cargo de cúpula, e Lamarca, considerado mais despreparado pela nova direção, foi rebaixado a militante de base e enviado para o interior da Bahia, enquanto sua companheira deveria se estabelecer em Salvador. A viagem, em junho de 1971, de Iara e Carlos Lamarca, do Rio de Janeiro para a Bahia, foi a última vez em que estiveram juntos, antes da morte de ambos. As causas e até a data da morte de Iara Iavelberg permanecem, até hoje, envoltas em mistério. De acordo com o relatório da “Operação Pajussara”, comandada pelo então major Nilton Cerqueira, Iara teria se matado com um tiro de revólver, em um apartamento localizado no bairro de Pituba, em Salvador, no dia 19 de agosto de 1971. Segundo relatórios militares, a jovem teria tomado essa atitude sob efeito de gás lacrimogênio, para evitar que fosse presa pelos agentes militares e policiais. A certidão de óbito de Iara, assinada pelo médico legista Charles Pittex, oficializou a data da morte da militante como sendo o dia 20 de agosto de 1971. O corpo da psicóloga foi entregue à família somente um mês após sua morte, em um caixão lacrado, com a proibição explícita de que fosse aberto. Iara foi enterrada no Cemitério Israelita de São Paulo, em um local destinado apenas a suicidas. Carlos Lamarca morreu menos de um mês depois, no dia 17 de setembro, em Pintada, no sertão baiano. Em 1998, a família de Iara começou uma batalha judicial contra o Estado, solicitando a exumação do corpo da guerrilheira, com a intenção de investigar as causas de sua morte. A investigação foi liderada pelo professor da USP, Daniel Muñoz. Ao final do trabalho, o especialista em Medicina Legal chegou à conclusão de que, na verdade, o tiro mortal que acertara Iara havia sido disparado de longa distância, descartando-se, assim, a hipótese de suicídio. Em 2003, após anos de negativas, os familiares de Iara, por meio de um mandado judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo, inconformados com a versão oficial de sua morte por suicídio, obtiveram da Federação Israelita de São Paulo a exumação do corpo da guerrilheira, que havia sido entregue à família em um caixão lacrado. Os restos mortais de Iara puderam, desse modo, mais de 30 anos depois, ser removidos da ala de suicidas, onde haviam sido enterrados, para perto do túmulo de seus pais, em outra área do cemitério judaico. O Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo prestou uma homenagem à antiga aluna, dando seu nome ao centro acadêmico, o qual passou a ser chamado Centro Acadêmico Iara Iavelberg. Seu nome também batiza uma praça no bairro de Bangu, na Zona Oeste do Rio, e outra no bairro de Pirituba, em São Paulo.

 

Maria Lúcia Petit (1950-1972) – professora e guerrilheira brasileira, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Participou da luta armada contra a ditadura militar, integrando a “Guerrilha do Araguaia”, movimento de extrema esquerda liderado pelo PCdoB, baseado na Região Amazônica brasileira, ao longo do rio Araguaia, entre o início de 1967 e a primeira metade da década de 1970, com o objetivo de fomentar uma revolução socialista, a ser iniciada no campo, inspirada nas experiências vitoriosas da Revolução Chinesa (1946-1949) e da Revolução Cubana (1953-1959). Combatida pelas Forças Armadas a partir de 1972, quando vários de seus integrantes já haviam se estabelecido na região há pelo menos 6 anos, o palco das operações de combate entre a guerrilha e os militares se deu onde os estados de Goiás, Pará e Maranhão faziam divisa. Em abril de 1972, tropas do Exército começaram a chegar na região. A “Operação Papagaio” contou com 3.200 homens, uso de helicópteros, e até napalm (arma incendiária que os EUA estavam usando na Guerra do Vietnã). Estima-se que o movimento de Araguaia era composto por cerca de 180 guerrilheiros, sendo que, destes, menos de 20 sobreviveram. A maioria dos combatentes, formada principalmente por ex-estudantes universitários e profissionais liberais, foi morta em combate na selva ou executada após sua prisão pelos militares, durante as operações finais, em 1973 e 1974. Mais de 50 deles são considerados, ainda hoje, desaparecidos políticos. Ex-integrante do movimento estudantil secundarista de São Paulo, Maria Lúcia Petit usava o codinome “Maria” para ser identificada na guerrilha. Com os ataques dos militares aos destacamentos guerrilheiros, Maria iniciou suas ações na região do rio Araguaia. O Exército Brasileiro cercou a região de atuação das guerrilhas, utilizando grandes armamentos e aparatos militares, em 1972. Relatos cedidos à Comissão Nacional da Verdade, que apurou mortes e desaparecimentos na ditadura militar brasileira contam que Maria Lúcia teria sido fuzilada, aos 22 anos, por tropas do Exército, comandadas pelo general Antônio Bandeira, ao tentar proteger um camponês no mesmo episódio. Enterrada em sigilo pelos militares no Cemitério de Xambioá, envolta num tecido de paraquedas, e com a cabeça coberta por um plástico, foi dada como desaparecida por quase duas décadas, até que seus restos mortais foram localizados em 1991, e identificados em 1996, após cinco anos de perícias realizadas na UNICAMP, sendo sepultados na cidade de Bauru (SP). Maria Lúcia é um dos dois únicos guerrilheiros do Araguaia identificados por exame de DNA.

 

Sônia Angel Jones (1946-1973) – professora e guerrilheira brasileira, integrante do grupo de extrema esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN), e participante da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Foi casada, durante três anos, com Stuart Angel Jones (1946-1971), dirigente do Movimento Revolucionário Oito de outubro (MR-8) que foi sequestrado, torturado e assassinado em 1971, embora, na época, tenha sido considerado desaparecido político pelo governo militar, que na verdade determinou sua morte. Sônia foi presa, torturada e assassinada em 1973, por agentes do regime militar. Seus restos mortais só foram identificados mais de duas décadas após seu falecimento. Foi um dos casos investigados pela Comissão Nacional da Verdade. Hoje o seu nome batiza um viaduto no bairro do Jardim São Luiz, na cidade de São Paulo; um bairro na cidade de Mauá, em São Paulo; uma rua no bairro do Tirol, em Belo Horizonte; uma rua no bairro da Macaxeira, em Recife, e uma rua no bairro do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. O nome de Sônia também foi dado a um dos viadutos do Complexo João Dias, em São Paulo, em 19 de setembro de 1992. Em 2011, a atriz Fernanda Montenegro a homenageou, interpretando a guerrilheira numa campanha cívica da OAB, pela abertura dos arquivos da ditadura militar, com o objetivo de descoberta da verdade sobre sua morte e de outros guerrilheiros assassinados ou desaparecidos. Essa campanha foi exibida na televisão e nos cinemas de todo o Brasil.

 

Zuzu Angel (1921-1976) – estilista brasileira, personagem notória do Brasil da época da ditadura militar, ficou conhecida, nacional e internacionalmente, não apenas por seu trabalho inovador como estilista de moda, mas também por sua procura incansável pelo paradeiro de seu filho, Stuart Angel Jones (1946-1971), assassinado pelo governo militar, que, no entanto, insistia em considerá-lo desaparecido político. Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, Stuart Angel, então estudante de Economia, passou a integrar as organizações de esquerda que combatiam a ditadura militar brasileira, instaurada em 1964, filiando-se ao MR-8, grupo guerrilheiro de ideologia socialista, baseado no Rio de Janeiro. Preso em 14 de abril de 1971, após ser acusado de assaltar e de sequestrar o então embaixador americano no Rio, Stuart foi torturado e morto pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), localizado no então Aeroporto do Galeão (atualmente, Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim. A versão mais conhecida e difundida de sua tortura e morte foi dada pelo ex-guerrilheiro e escritor Alex Polari, também preso no local, e que assistiu da janela de sua cela as torturas sofridas por Stuart. Polari contou, em uma carta remetida a Zuzu Angel, entregue no Dia das Mães, na qual a notificava sobre o paradeiro de seu filho, que Stuart foi barbaramente torturado e espancado, tendo sido em seguida conduzido ao pátio da base, onde morreu em consequência dos maus tratos. De posse dessa carta, a estilista, a partir de então, começou a confrontar o regime militar brasileiro, com o objetivo de encontrar o corpo de seu filho, então com 25 anos. Sua luta envolveu os Estados Unidos, país de seu ex-marido e pai de Stuart. Como estilista, ela criou uma coleção estampada com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo, ferido e amordaçado em suas estampas, tornou-se também o símbolo do filho. Em setembro de 1971, Zuzu chegou a realizar um desfile-protesto no Consulado do Brasil em Nova York, tecnicamente território brasileiro, pois uma lei da ditadura militar impedia que brasileiros criticassem o país no exterior. Fazendo o desfile no consulado, ela não podia ser acusada de criticar o país fora dele. Com sua relativa notoriedade internacional, envolveu em sua causa celebridades de Hollywood que eram suas clientes, como Liza Minelli e Kim Novak. Apelou a diversos políticos importantes e celebridades, para que ajudassem a encontrar o corpo de seu filho. A busca de Zuzu pelas explicações, pelos culpados e pelo corpo de Stuart só terminou com sua morte, ocorrida na madrugada de 14 de abril de 1976, num acidente de carro na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos (Estrada Lagoa-Barra), hoje batizado com seu nome. O carro dirigido por ela derrapou na saída do túnel, deixou a pista, chocou-se contra a mureta de proteção, capotou e rolou estrada abaixo, causando sua morte imediata. Em 2014, Cláudio Antônio Guerra, ex-agente da repressão que operou como delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS) e torturador confesso, depôs na Comissão Nacional da Verdade e confirmou a participação dos agentes da repressão na morte de Zuzu Angel. Ao longo das últimas décadas, Zuzu Angel foi homenageada diversas vezes. Chico Buarque compôs, a partir de uma melodia de Miltinho (1928-2014), do MPB4, a música “Angélica”, em 1977, em homenagem à estilista. Em 1993, a jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart, criou o Instituto Zuzu Angel de Moda do Rio de Janeiro, em memória de sua mãe. O túnel que liga o bairro de São Conrado à Zona Sul da cidade do Rio também foi batizado em sua homenagem. Em 2006, o cineasta Sérgio Rezende dirigiu Zuzu Angel, filme que retrata a vida da estilista, protagonizada pela atriz Patrícia Pillar.

 

Araceli Crespo (1964-1973) – criança brasileira assassinada, aos 8 anos de idade, em 1973. Nascida na capital paulista, chegou a morar com os pais e o irmão mais velho na cidade de Cubatão, no mesmo estado. Como Araceli, ainda bebê, sofria com a poluição da cidade, a família decidiu mudar-se para o estado do Espírito Santo. Viveram numa casa modesta, na rua São Paulo (hoje rua Araceli Cabrera Crespo), no bairro de Fátima, na cidade de Serra, vizinha a Vitória. Em 18 de maio de 1973, a ausência de Araceli foi notada pelo pai, quando a menina não voltou para casa depois da escola. Pensando se tratar de um sequestro, seu pai distribuiu fotografias da filha aos jornais locais. Seu corpo foi encontrado somente 6 dias depois, desfigurado por ácido e com marcas de violência e abuso sexual, nos fundos de um hospital infantil de Vitória. Os principais suspeitos, Paulo Helal e Dante Michelini Júnior, pertenciam a famílias influentes do Espírito Santo. Este último era filho do latifundiário Dante Michelini, influente junto ao regime militar, enquanto Paulo era filho de Constanteen Helal, de família igualmente poderosa. Os jovens eram conhecidos na cidade como usuários de drogas, e tinham o costume de estuprar garotas menores de idade. De acordo com o promotor que investigou o caso, Araceli esperava o ônibus depois da escola, quando Paulo Helal, que estava em um carro branco, pediu para Marislei dizer à menina que "Tio Paulinho" a chamava, para levá-la para casa. Foi comprovado que a menina ficou mantida em cárcere privado durante 2 dias, no porão e no terraço do Bar Franciscano, que pertencia à família Michelini, tendo Dante Michelini, inclusive, tomado conhecimento de tudo o que acontecia. Os rapazes, sob efeito de drogas, teriam lacerado a dentadas os seios, parte da barriga e a vagina da menina. Araceli foi levada, agonizante, a um hospital, mas não resistiu. Os acusados ainda permaneceram com o corpo; mantiveram-no sob refrigeração e jogaram-lhe um ácido corrosivo, para dificultar a identificação do cadáver. Em seguida, atiraram os restos mortais da menina num terreno próximo ao mesmo hospital. Após as investigações, Paulo e Dante foram indiciados e levados a julgamento. O perito carioca Carlos Éboli constatou que a causa mortis fora intoxicação exógena por barbitúricos, seguida de asfixia mecânica por compressão. A partir de então, as famílias Helal e Michelini contrataram 12 dos melhores advogados de Vitória, para desconstituir as provas do crime. Em 1980, Paulo e Dante foram condenados pelo juiz Hilton Sily a 5 e 18 anos de reclusão, respectivamente. No entanto, os réus recorreram e conseguiram a anulação da sentença. Em 1991, realizou-se um novo julgamento, e os réus foram absolvidos, após um extenso reexame do processo. O novo juiz responsável pelo caso elaborou uma sentença de mais de 700 páginas, na qual absolveu os acusados, por falta de provas. O processo foi arquivado e até hoje permanece sem solução.  De acordo com o relato do escritor José Louzeiro (1932-2017), autor do livro Aracelli, meu amor (1976), o caso produziu 14 mortes, desde possíveis testemunhas, até pessoas interessadas em desvendar o crime. No ano 2000, o Congresso Nacional instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, na data da morte de Araceli. A ideia de marcar essa data surgiu em 1998, quando cerca de 80 entidades públicas e privadas se reuniram, na Bahia, para o 1º Encontro do ECPAT no Brasil. O ECPAT é uma organização internacional que luta pelo fim da exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes, surgida na Tailândia. Desde então, entidades que atuam em defesa dos direitos de crianças e adolescentes promovem atividades em todo o país para conscientizar a sociedade e as autoridades sobre a gravidade dos crimes de violência sexual cometidos contra menores.

 

Ana Lídia Braga (1966-1973) – criança brasileira assassinada, aos 7 anos de idade, em 1973. No dia 11 de setembro de 1973, a menina desapareceu, na porta da escola, na Asa Norte. Naquele dia, antes de seguirem para o trabalho, os pais deixaram Ana Lídia no pátio da escola, por volta de 13h30. Às 16h30, como de costume, a babá foi buscá-la a pé. Ao procurar a menina, recebeu a notícia de que ela não havia comparecido ao colégio naquela tarde. Preocupada, a madre diretora da instituição telefonou para a mãe da aluna, a fim de certificar-se de que ela realmente comparecera à escola. Testemunhas contaram que, logo após Ana Lídia chegar ao pátio, um homem alto, loiro e de cabelos compridos, a abordou. E convenceu a menina a não entrar na sala de aula. Vinte e duas horas depois, policiais civis encontraram o corpo de Ana Lídia em um matagal, próximo à Universidade de Brasília (UNB). Estava semienterrado numa vala, próxima à qual havia marcas de pneus de moto e dois preservativos. A menina estava nua, com marcas de cigarro e com os cabelos mal cortados. O laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) atestou que a morte se deu por asfixia, provavelmente provocada por sufocação, entre 4h e 6h do dia 12 de setembro. Havia, ainda, manchas roxas e escoriações em várias partes do corpo de Ana Lídia. O exame comprovou, também, o estupro da criança. Ana Lídia foi sepultada no dia 13 de setembro de 1973. O caso teve diversas falhas da perícia e da investigação policial. Os suspeitos do crime foram o irmão da menina, Álvaro Henrique Braga e alguns filhos de políticos e de importantes membros da alta sociedade brasiliense. Para os pais, era absurda qualquer suspeita sobre o filho. Os investigadores trabalhavam com a hipótese de Ana Lídia ter sido morta, em função de um possível envolvimento de Álvaro com o tráfico de drogas. O irmão de Ana Lídia teria dívidas com o tráfico, e o sequestro da irmã teria sido uma maneira de resolver a pendência. Em seguidos interrogatórios, o irmão da vítima negou qualquer envolvimento com o rapto e a morte de Ana Lídia.  Paralelamente, o Ministério Público do Distrito Federal iniciou uma investigação. A promotoria averiguou denúncias contra Alfredo Buzaid Júnior, filho do então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, e Eduardo Ribeiro de Rezende, filho do senador Eurico Rezende. Nada ficou provado contra os suspeitos, nem mesmo contra o irmão da menina. Todos foram absolvidos pela Justiça em 1974, por falta de provas. O caso continua sem qualquer desfecho, e ninguém foi punido pelos crimes. Em homenagem à menina, uma região do Parque da Cidade Sarah Kubitschek, próximo à entrada do Setor Hoteleiro Sul, em que estão instalados diversos brinquedos, passou a ser denominado Parque Ana Lídia. Pelas circunstâncias de seu martírio, o túmulo de Ana Lídia Braga é um dos mais visitados no cemitério da cidade. Devotos que acreditam em milagres concedidos pela menina, consideram-na santa.

 

Ângela Diniz (1944-1976) – também conhecida como a “Pantera de Minas”, Ângela Diniz foi uma socialite brasileira assassinada, aos 32 anos de idade, em sua casa, localizada na Praia dos Ossos, município de Búzios, Região dos Lagos fluminense, pelo seu companheiro, o playboy e empreiteiro Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street (1934-2020). Em 1976, depois de um casamento e alguns relacionamentos conturbados, conheceu o playboy. Namoraram durante quatro meses, mas a relação foi marcada por ciúmes e violência doméstica. Doca havia abandonado sua esposa e filhos para morar com Ângela, e, em dezembro do mesmo ano, ambos estavam veraneando na casa dela, na Praia dos Ossos, em Búzios, quando, na noite do dia 30 de dezembro, Ângela e Doca tiveram uma forte discussão, na qual a socialite tentou pôr um fim ao relacionamento, e ele deixou a casa. Horas depois retornou, houve uma nova briga e Doca assassinou a namorada com três tiros no rosto e um na nuca. Após o crime, Street deixou a arma ao lado do corpo e fugiu para Minas Gerais, permanecendo semanas foragido. Chegou a dar entrevistas para a imprensa televisiva e escrita, antes de se entregar à polícia no dia 18 de janeiro de 1977. Doca Street foi julgado em 1979, no Fórum de Cabo Frio, sendo defendido pelo advogado Evandro Lins e Silva (1912-2002), ministro do Supremo Tribunal Federal aposentado e advogado de presos políticos no período da ditadura militar (1964-1985), ligado à área de direitos humanos. A defesa foi baseada na tese de legítima defesa da honra (ou seja, o homem poderia “lavar sua honra com sangue”), responsabilizando a própria vítima por ela ter sofrido a violência, em razão do seu comportamento pessoal. Já a família de Ângela contratou o advogado Evaristo de Moraes Filho (1933-1997) para atuar como assistente de acusação. No Tribunal do Júri, a vida de Ângela foi revirada ao avesso: sua moralidade sexual foi atacada, bem como os seus envolvimentos com outros crimes e sua dependência de drogas. O julgamento foi extensamente coberto pela grande mídia. O tribunal do júri condenou Doca Street, por 5 votos a 2, a uma punição simbólica de apenas 2 anos, com dispensa de cumprimento da pena. O crime causou uma comoção nacional. Reportagens da época mostraram Doca saindo do tribunal pela porta da frente, muito aplaudido. Ele era parado nas ruas por pessoas pedindo autógrafos, uma vez que o julgamento o alçou à fama como “o homem que matou por amar demais”. Ângela, por sua vez, foi alvo de uma campanha difamatória e, na sociedade, acabou condenada por sua própria morte, já que sua vida sexual havia sido exposta a tal ponto, durante o julgamento, que ela passou a ser vista, publicamente, como uma “vagabunda". A escandalosa decisão a favor do assassino de Ângela Diniz produziu o primeiro de uma série de movimentos feministas de protesto contra a violência doméstica e o feminicídio, sob o lema "Quem ama, não mata", slogan tomado como resposta à argumentação da defesa de Doca Street, de que ele "havia matado por amor" (posteriormente, o slogan se tornaria título de uma minissérie de muito sucesso, exibida, em 1982, pela Rede Globo de televisão). A pressão do movimento feminista fez com que o Ministério Público pedisse a anulação do primeiro veredito e Street fosse submetido a um novo julgamento, o que veio a ocorrer, efetivamente, em 1981. Desta vez, eram mulheres com faixas contra Doca que o receberam quando este chegou ao tribunal. O julgamento foi acompanhado, pessoalmente, por diversas ativistas feministas, que organizaram uma vigília e exigiram sentença e prisão para o assassino. Se no primeiro julgamento havia predominado uma cobertura machista, por parte da mídia, em razão da libertária vida sexual de Ângela, já no segundo a pressão do movimento feminista impôs uma análise baseada no próprio assassinato e na invalidade do argumento emocional para justificá-lo. Ao final do julgamento, Doca foi condenado a 15 anos de prisão, dos quais cumpriu 3 em regime fechado, 2 no semiaberto e, quanto ao restante, em liberdade condicional. Há quatro vias públicas no Brasil com o nome de Ângela Diniz. A principal delas fica próxima à Praia dos Ossos, em Búzios, praticamente ao lado do quintal da casa onde a socialite foi assassinada.

 

Cláudia Lessin Rodrigues (1956-1977) – filha de um casal de classe média alta carioca, Cláudia Lessin Rodrigues protagonizou, em 1977, o chamado “Caso Cláudia”: foi assassinada, aos 21 anos, na casa de Michel Frank (1951-1989), milionário suíço-brasileiro supostamente envolvido com o tráfico de drogas. Cláudia crescera na Zona Sul do Rio de Janeiro e estudara nos melhores colégios cariocas. A ida de Cláudia ao apartamento de Michel Frank, no bairro do Leblon, Zona Sul do Rio, no dia 24 de julho de 1977, nunca foi bem explicada; porém, o mais provável é que ela teria sido convidada para uma festa, na qual encontraria um “namoradinho”. Este não comparecera e, quando Cláudia chegou ao local, percebeu que a festa era de “cheiração”, isto é, regada a drogas, algo comum, na época. Segundo o jornalista e escritor Valério Meinel (1940-1997), autor de uma reportagem que ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo e de um livro sobre o caso, Cláudia teria passado o fim de semana com os anfitriões da festa, Michel e Georges Khour, um badalado cabeleireiro com salão no luxuoso Hotel Méridien, localizado no bairro do Leme. Durante a festa, Michel e Georges jogaram cartas, beberam e cheiraram cocaína, vendida por Michel aos convidados em seu apartamento, na época uma espécie de “boca de fumo” para a classe média da Zona Sul. Foi o inspetor de polícia Jamil Warwar que, apenas 48 horas depois do crime, descobriu tudo: Cláudia teria sido violentada e estrangulada após a festa. Seu corpo foi encontrado nu, na manhã do dia 26 de julho de 1977, no rochedo do Chapéu dos Pescadores, localizado na Avenida Niemeyer, próximo ao apartamento de Michel. O rosto estava completamente desfigurado e o corpo amarrado por arame, preso a uma mala cheia de pedras. Os laudos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, de acordo com a mesma reportagem, foram taxativos: demonstraram que Cláudia foi morta no local, já que havia sangue sobre as pedras. Comprovaram, também, que a jovem morrera por asfixia mecânica – viam-se claramente as marcas dos dedos, a olho nu, em seu pescoço. Já um exame toxicológico mostrava que ela não havia usado cocaína, nem qualquer outra droga. Contudo, o poder e as relações pessoais do pai de Frank, o industrial Egon Frank (1919-2004), dono da fábrica de relógios Mondaine, falaram mais alto, a ponto de Warwar ser afastado das investigações, antes de divulgar publicamente suas conclusões, por meio de uma decisão publicada no boletim de Segurança Pública. Diante das fortes evidências de que a vítima havia passado a noite no imóvel, a família Frank contratou um advogado criminalista e um perito. A versão de Michel era a de que Cláudia misturara drogas e álcool, e morrera de overdose num dos quartos da casa. Contudo, o resultado do referido exame cadavérico revelou, objetivamente, que a jovem fora esganada, violentada e espancada, sem ter consumido drogas. A defesa e o perito, vendo as contradições entre o documento e o que dissera o cliente, desistiram do caso. O pai de Michel contratou um novo advogado, e o laudo foi contestado. Porém, sentindo-se acuado, Frank, que tinha dupla nacionalidade, fugiu para a Suíça e escapou da Justiça brasileira. Em 1980, enquanto Michel trabalhava na Suíça, Khour era julgado no Brasil. O julgamento do caso, ocorrido 3 anos após a morte de Cláudia, e durou 5 dias, um dos mais longos do Tribunal do Júri no Brasil. Embora fotos do pescoço de Cláudia, com marcas de polegares, tenham sido anexadas ao processo, o cabeleireiro foi absolvido, em dezembro, por 6 a 1, da acusação de homicídio e violência sexual. Foi punido com 2 anos de prisão por ocultação de cadáver, mas, como já estava detido há 3 anos, foi solto imediatamente. A Justiça suíça recebeu cópias do processo, mas entendeu que não havia provas para acusar Michel do homicídio, e o condenou, em 1981, a dois meses de prisão, por uso de entorpecentes. Cinco anos depois, Michel foi preso na França com drogas. Em setembro de 1989, Frank foi encontrado morto, com 6 tiros na cabeça, na garagem do prédio onde morava. Seu corpo estava entre uma máquina de lavar e outra de secar. As razões de sua morte ainda são obscuras, mas suspeita-se de que ele estaria envolvido com o tráfico de drogas local. Há uma rua no bairro de Paciência, subúrbio do Rio de Janeiro, batizada com o nome de Cláudia Lessin Rodrigues.

 

Ana Rosa Kucinski (1942-1974) – professora universitária e militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização de extrema esquerda que combateu a ditadura militar brasileira de 1964. Em 1974, aos 32 anos de idade, foi dada como desaparecida. Integrante da ALN na clandestinidade, Ana era graduada em Química e doutora em Filosofia. Casada com Wilson Silva (1942-1974), analista de sistemas e também integrante da ALN, era uma das mais jovens professoras do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). Em 22 de abril de 1974, ela saiu do trabalho na universidade para almoçar com o marido num restaurante da Praça da República, no centro da cidade de São Paulo, em comemoração aos quatro anos de casamento. Os dois nunca mais foram vistos. Sua participação na luta armada teria sido informada à repressão pelo médico João Henrique Ferreira de Carvalho, apelidado pelo DOI-CODI de "Jota", na verdade um agente infiltrado nas organizações clandestinas, segundo o depoimento do ex-sargento do Exército Marival Chaves Dias do Canto, ex-membro do DOI-CODI de São Paulo, e do CIEX, em Brasília. O então arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), e a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CDH-OEA) foram acionados, mas não obtiveram do governo militar qualquer informação sobre o paradeiro do casal. Em 6 de fevereiro de 1975, respondendo a um requerimento feito pelos familiares sobre o paradeiro dos desaparecidos políticos, o ministro da Justiça da época, Armando Falcão (1919-2010), publicou nota oficial a respeito, na qual os nomes de Ana Rosa e Wilson Silva são citados como “terroristas foragidos”. As primeiras pistas sobre o destino do casal só começaram a vir a público décadas depois, com a redemocratização do país. Em 1987, o tenente do Exército Brasileiro e médico psicanalista Amílcar Lobo (1939-1997), em entrevista concedida à imprensa paulista, reconheceu, informalmente, que acompanhou a tortura de Wilson Silva na “Casa de Petrópolis”, conhecida como “Casa da Morte”. O “Doutor Lobo” ou “Doutor Carneiro”, codinome pelo qual Amílcar era chamado, foi médico-assistente de torturas realizadas nos porões da ditadura militar. Sua função, nos centros de tortura, era garantir que os presos torturados ainda tivessem condições de aguentar maiores suplícios. A Casa da Morte era um centro clandestino de torturas e assassinatos do Exército, localizado na cidade de Petrópolis, Região Serrana Fluminense. Em 1993, o ex-cabo do Exército José Rodrigues Gonçalves, em entrevista concedida a uma revista paulistana, declarou que Ana e seu marido foram presos pela equipe de um dos mais famosos agentes da repressão da época, o delegado paulista Sérgio Fleury (1933-1979), e entregues aos militares, que os levaram para a Casa da Morte, onde foram interrogados, torturados e executados. Em 2012, movimentos de direitos humanos reunidos no Fórum Aberto pela Democratização da USP exigiram da direção da universidade a reversão e revogação da decisão resultante do processo instaurado pela Reitoria em 1975, que causou a "demissão" da professora por 13 votos favoráveis e 2 votos em branco, por "abandono de função", ignorando seu desaparecimento forçado. Nessa época, ela já havia sido sequestrada e assassinada há mais de 1 ano. Na época, a USP alegou que já havia cancelado o ato de demissão em 1995, porém o processo só foi oficializado em abril de 2014. Naquele ano, a exoneração foi anulada, por unanimidade, pela Congregação do Instituto de Química da USP, sendo considerada um "equívoco" da época. A família de Ana também recebeu um pedido formal de desculpas, por parte da Congregação. Na mesma ocasião, foi inaugurado um monumento em homenagem a Ana, nos jardins do Instituto de Química da universidade.

 

Dinalva Oliveira Teixeira (1945-1974) – Dinalva Conceição Oliveira Teixeira ou “Dina”, como era mais conhecida, foi uma geóloga e guerrilheira brasileira, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Participou da luta armada contra a ditadura militar, integrando a “Guerrilha do Araguaia. Dinalva Oliveira Teixeira formou-se em Geologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1968. Durante a faculdade, morou na Casa do Estudante, período em que participou ativamente do movimento estudantil baiano. Ainda na universidade, casou-se, em 1968, com seu colega de turma e também militante, Antônio Carlos Monteiro Teixeira (1944-1972), que na guerrilha receberia o codinome de “Antônio da Dina”. Algum tempo depois, o casal se mudou para o Rio de Janeiro. Lá, Dina e Antônio foram trabalhar no Ministério de Minas e Energia, e, como militantes comunistas, faziam trabalho social nas favelas cariocas. No ano seguinte, em maio de 1970, mudaram-se para o norte de Goiás, mais especificamente, na área do Araguaia, com o objetivo de criar uma guerrilha de caráter revolucionário na região e iniciar a luta armada rural contra o governo militar. Como professora e parteira, Dina ganhou fama e admiração entre os humildes habitantes da região, nos anos de preparação da guerrilha, entre 1970 e 1972. Em abril de 1972, Dinalva se separou de Antônio Carlos e, em seguida, iniciou um relacionamento com o jornalista e também militante do PCdoB, Gilberto Olímpio Maria (1942-1973), que durou até a morte deste, no Natal, durante um ataque ao acampamento da comissão militar da guerrilha. Mas a fama maior de Dina Teixeira nasceu da sua capacidade militar. Exímia atiradora, com grande preparo físico, espírito de liderança e personalidade decidida, ela foi a única mulher a ser vice-comandante de um destacamento da guerrilha. Seu nome era temido entre os recrutas convocados pelo Exército Brasileiro, para participar das operações de combate no Araguaia. Enfrentou tropas militares por várias vezes, ferindo soldados e oficiais, sempre conseguindo escapar dos cercos do inimigo. O Exército Brasileiro tinha especial determinação em achá-la, considerando-a "perigosíssima", além de uma ameaça à ação militar na região, uma vez que precisavam destruir o “mito” criado entre o povo do Araguaia para desmoralizar os militares. Portanto, sua morte tornou-se indispensável para o Exército. Sobrevivente do ataque à comissão militar da guerrilha, no dia de Natal de 1973, que matou cinco guerrilheiros, incluindo o comandante-geral Maurício Grabois (1912-1973), Dina embrenhou-se na selva com outros companheiros, e desapareceu até junho de 1974, quando foi presa, estando fraca, doente e desnutrida, sem comer açúcar ou sal há meses, e vagando na mata, perto da localidade de "Pau Preto", com a companheira de guerrilha "Tuca", a enfermeira parasitóloga paulista Luiza Augusta Garlippe (1941-1974). Levada à base em Xambioá (PA), permaneceu presa e foi torturada por duas semanas (há testemunhos, no sentido de que ela estaria grávida), sem prestar qualquer informação aos militares, que sempre quiseram capturá-la viva. Foi colocada num helicóptero pelo então capitão Sebastião Rodrigues de Moura, o “Major Curió”, e levada para uma mata próxima, onde foi executada a tiros, a seu pedido de frente, pelo sargento do Exército Joaquim Arthur Lopes de Souza – codinome "Ivan", um ex-seminarista e um dos muitos militares infiltrados secretamente na área da guerrilha –, em julho de 1974. Dada como desaparecida política, seu corpo nunca foi encontrado. Por não terem sido entregues os seus restos mortais à família, Dinalva Oliveira Teixeira é considerada desaparecida política e, por isso, não foi sepultada até hoje. Em homenagem à guerrilheira, há três ruas, no Brasil, que levam o seu nome: uma em Campinas (SP), outra na própria capital de São Paulo, e uma terceira na cidade do Rio de Janeiro.

 

Lyda Monteiro da Silva (1920-1980) – secretária brasileira,  morta num atentado à bomba arquitetado e executado pelo Centro de Informações do Exército (CIEX), na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Rio de Janeiro, na chamada “Operação Cristal”, organizada por grupos extremistas de direita. Lyda era a mais antiga funcionária da OAB, secretária do presidente do Conselho Federal da entidade, quando, aos 59 anos, abrindo uma correspondência destinada ao presidente da entidade, detonou a explosão de uma carta-bomba, no início da tarde da quarta-feira, dia 27 de agosto de 1980. O artefato lhe decepou o braço, além de outras mutilações, e provocou sua morte, tão logo foi hospitalizada. Na época, a instituição denunciava desaparecimentos e torturas de perseguidos e presos políticos, e havia criado a Comissão de Direitos Humanos, em seu Conselho Federal. Além do atentado à Ordem, outras ações terroristas ocorreram, no mesmo dia, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e na sede do jornal ligado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Tribuna da Luta Operária. A primeira, deixou 6 feridos, e a segunda, por meio de um artefato de pouca potência, “estourado” durante a madrugada, provocou somente estragos materiais. Uma outra carta-bomba havia sido enviada à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), mas fora desarmada pelo seu presidente, Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), que havia sido avisado por um telefonema anônimo. Lyda Monteiro da Silva era casada e tinha um filho. O atentado à sede da OAB indignou a sociedade brasileira, que viu no episódio um ato terrorista, naqueles anos de autoritarismo. Lyda foi enterrada no dia seguinte ao episódio, com grande participação dos movimentos sociais. O acontecimento teve cobertura da imprensa nacional e internacional, com mais de 6 mil pessoas presentes, tornando-se palco de manifestações políticas. Até hoje, não se sabe, com clareza, quem foi o responsável por deixar a carta-bomba na sede. Grupos de extrema direita, contrários à redemocratização foram acusados, mas nada foi concluído. Em nota pública, divulgada no dia 27 de agosto de 2007, a OAB de São Paulo declarou que o atentado que vitimou Lyda Monteiro continua encoberto pelo manto da impunidade, simbolizando, assim, o Dia Nacional de Luto dos Advogados.

Solange Lourenço Gomes (1947-1982) – médica, guerrilheira e militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), Solange nasceu na cidade de Campinas, interior de São Paulo, no dia 13 de maio de 1947. Ainda na adolescência, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Em 1966, ingressou no curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante a faculdade, participou de diversos grupos de estudos marxistas e militou no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Em 1968, entrou para o MR-8. Pouco tempo depois, Solange realizou alguns assaltos a bancos e roubos de carros, além de trabalhos de agitação e propaganda na cidade do Rio de Janeiro. Integrou, ainda, a Frente do Trabalho Armado e a Frente Operária. Na mesma época, Solange foi viver com Daniel Aarão Reis Filho, então dirigente do MR-8, atualmente historiador e um dos maiores especialistas em ditadura militar. Em meados de setembro de 1969, a guerrilheira passou a viver na clandestinidade, pois fora denunciada pela fiadora do imóvel onde morava com Daniel. Devido às perseguições políticas sofridas, deslocou-se para a Bahia no fim de 1970. Nos primeiros dias de março de 1971, depois de participar de uma panfletagem no jogo de reinauguração do estádio da Fonte Nova, em Salvador, em meio a um tumulto ocorrido entre os torcedores, Solange teria sofrido um grave surto psicótico e se apresentado a uma dependência policial, afirmando ser subversiva e fornecendo informações sobre o MR-8. Há documentos policiais comprovando que ela foi interrogada pelo DOI-CODI do Rio, e também em Salvador. Contudo, segundo Gilberto Lourenço Gomes, irmão de Solange, ela foi útil para a repressão por conta disso e, mesmo confessando, foi brutalmente torturada e sofreu abusos sexuais nas dependências dos quartéis militares no Rio e na Bahia. Em 7 de julho de 1972, o Conselho Permanente de Justiça, por unanimidade de votos, determinou sua internação no Manicômio Judiciário pelo prazo mínimo de 2 anos. Porém, seu advogado conseguiu o cumprimento da pena na prisão, pois acreditava que o manicômio seria mais danoso para a sua saúde mental. Suas companheiras de cárcere relataram que Solange era alegre, inteligente, e que tentava manter seus interesses e seus vínculos vivos, apesar de viver em um constante estado de delírio. Solange foi solta do cárcere em 10 de setembro de 1973. Saiu da prisão aniquilada psicologicamente, e passou a necessitar de tratamento psiquiátrico constante. Nos anos seguintes, Solange ainda encontrou forças para cursar e se formar em Medicina, e ainda para retomar sua vida sentimental, casando-se, em 1980, com o engenheiro Celso Pohlmann Livi. Porém, no dia 1º de agosto de 1982, Solange pulou da janela de seu apartamento, localizado na rua Barão da Torre, em Ipanema, Rio de Janeiro, e acabou falecendo no Hospital Miguel Couto, aos 35 anos. A tortura física e mental sofrida por ela é considerada como um dos fatores que motivaram o seu suicídio. A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo realizou a 49ª audiência pública sobre a questão de Solange no dia 7 de junho de 2013. As conclusões e recomendações foram as seguintes: “Concluímos que Solange Lourenço Gomes foi vítima de graves violações dos Direitos Humanos, promovidas por agentes do Estado Brasileiro, sofrendo torturas, intensa perseguição e humilhação. Não resistiu aos traumas os quais a levaram ao suicídio. Recomendações: que sejam identificados os nomes dos agentes públicos do CODI/6 de Salvador que prenderam Solange em março de 1971. Que o Estado Brasileiro declare publicamente a condição de anistiada política de Solange Lourenço Gomes, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violação de direitos humanos que foram praticados contra essa brasileira”.

 

Margarida Maria Alves (1933-1983) – sindicalista e defensora dos direitos humanos, foi uma das primeiras mulheres brasileiras a exercer um cargo de direção sindical no país. Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, foi responsável por mais de 600 ações trabalhistas na Justiça do Trabalho regional, tendo sido a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba, durante a ditadura militar. Margarida Maria Alves era a filha mais nova de uma família de nove irmãos. Viveu no Sitio Jacu, Zona Rural de Alagoa Grande (PB), até os 22 anos de idade. Porém, ao ser expulsa da terra por grandes latifundiários, a família de Margarida foi obrigada a morar em lugares cada vez mais distantes e precários. Tornou-se presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, em 1973, aos 40 anos. Foi uma das primeiras mulheres a assumir um cargo de direção sindical no Brasil, e uma grande ativista de direitos humanos e trabalhistas no país. A militante esteve à frente na luta pelos direitos básicos dos trabalhadores rurais em Alagoa Grande, como carteira de trabalho assinada, 13º salário, jornada de trabalho de 8 horas diárias, férias de 30 dias anuais e demais direitos, para que as condições de trabalho no campo pudessem ser equiparadas ao modelo urbano. Também fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, uma iniciativa que, até hoje, contribui para o desenvolvimento rural e urbano sustentável, fortalecendo a agricultura familiar. Margarida ainda lutou pela reforma agrária, pela erradicação do trabalho infantil nas lavouras e canaviais, e pelo acesso gratuito ao ensino para as crianças, filhas de camponeses. Em seus 12 anos de gestão sindical, criou um programa de alfabetização para adultos, inspirado nos modelos do educador Paulo Freire (1921-1997), com ênfase na conscientização política e num ensino mais abrangente e inclusivo. Ao longo de todo esse tempo à frente do Sindicato, moveu mais de 600 ações trabalhistas, relacionadas a grandes proprietários de terras e, principalmente, usineiros de açúcar. Em razão do surgimento do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), no início dos anos 1980, a violência no campo foi intensificada, por parte dos latifundiários que não queriam perder suas terras, até mesmo as improdutivas. A partir desse momento, o trabalho de Margarida na defesa dos direitos dos trabalhadores entrou em conflito direto com os interesses dos latifundiários, que passaram a vê-la como uma ameaça real aos seus propósitos. Margarida foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983, quando um pistoleiro de aluguel, num carro vermelho, parou em frente à sua casa. Ao atender a porta, o homem lhe perguntou: "A senhora é a Dona Margarida?", ao que ela respondeu: "Sou", segundos antes de levar um tiro de escopeta calibre 12 no rosto. Seu filho e seu marido presenciaram tudo. Os principais acusados foram Agnaldo Veloso Borges – também suspeito da morte do líder camponês João Pedro Teixeira (1918-1962) –, então proprietário da usina de açúcar local, a Usina Tanques, e seu genro, José Buarque de Gusmão Neto, mais conhecido como “Zito Buarque”. Foram acusados, ainda, pelo crime, o soldado da PM Betâneo Carneiro dos Santos, os irmãos pistoleiros Amauri José do Rego e Amaro José do Rego, e “Biu Genésio”, motorista do carro. Mais tarde, este último foi assassinado, como “queima de arquivo”. Agnaldo Borges era o líder do chamado “Grupo da Várzea”, composto por 60 fazendeiros, 3 deputados e 50 prefeitos. Posteriormente, todos os acusados foram absolvidos, por falta de provas. O caso nunca foi solucionado. O assassinato teve repercussão internacional, com denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e várias outras entidades semelhantes. Símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais, Margarida recebeu, postumamente, o prêmio Pax Christi Internacional, em 1988. Em 1994, foi criada, pela Arquidiocese da Paraíba, a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves (FDDHMMA), e, em 26 de agosto de 2001, a casa simples em que ela morou foi comprada pela Prefeitura Municipal de Alagoa Grande e se tornou um museu. A luta e as ações de Margarida Maria Alves inspiraram, ainda, a Marcha das Margaridas, manifestação realizada por mulheres trabalhadoras rurais brasileiras, desde o ano 2000. Organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o evento ocorre no dia 12 de agosto (ou em datas próximas), para lembrar a morte de Margarida. Pautas com reivindicações específicas das mulheres e questões de interesse geral da categoria de trabalhadoras rurais fazem parte do cenário da manifestação.

 

Mônica Granuzzo (1971-1985) – estudante carioca que, aos 14 anos de idade, protagonizou o chamado “Caso Mônica”, referente à sua própria morte, ocorrida no dia 15 de junho de 1985, no bairro da Lagoa, Rio de Janeiro. Foi um dos casos policiais mais notórios do século XX, no Brasil, onde recebeu ampla cobertura da imprensa e causou comoção popular. Na noite de 15 de junho, após sair com um rapaz que frequentava uma danceteria na Lagoa, a estudante Mônica Granuzzo, de apenas 14 anos, despencou do 7º andar de um edifício de classe média, na rua Fonte da Saudade, Lagoa, Rio de Janeiro. No dia anterior, Mônica havia conhecido o então modelo e lutador de jiu-jitsu Ricardo Peixoto Sampaio, de 21 anos, na saída da danceteria. Os dois moravam perto, e combinaram de sair no dia seguinte. Mônica deixou o apartamento onde morava, no Humaitá, e dirigiu-se ao prédio do rapaz. Ricardo morava sozinho em um apartamento que pertencia a um tio, e levou Mônica até ao local, com a desculpa de que iria pegar um casaco. Para atrair a jovem sem muita resistência, Ricardo mentiu, dizendo que morava com os pais. Segundo a versão do rapaz, Mônica correu para a varanda do apartamento e se atirou, após "revelar que era um travesti”. Mas essa versão logo foi desmascarada, devido a um laudo pericial que mostrou que Mônica havia sido espancada antes de morrer. Por outro lado, constatou-se, também, que Mônica morreu virgem, ou seja, o abuso sexual não chegou a ser consumado, embora, na época, a memória da adolescente tenha sido bastante aviltada por uma parte mais conservadora da sociedade, que “não a perdoara” por ter concordado em subir, sozinha, ao apartamento de Ricardo. Ainda de acordo com o laudo, o corpo da vítima apresentava equimoses provocadas ainda em vida, o que afastou completamente a possibilidade de terem sido decorrentes do impacto da queda do corpo da jovem no local da ocultação. A primeira versão do Ministério Público era a de que Mônica foi torturada fisicamente/psicologicamente e, em seguida, jogada da varanda por Ricardo, que tentou estuprá-la, mas ela resistiu. Na verdade, o que ficou provado posteriormente foi que, espancada e desesperada, Mônica tentou pular para a varanda do apartamento vizinho, pela parte externa das janelas do prédio, mas não conseguiu e caiu no playground. Sem saber o que fazer, Ricardo ligou para os amigos Alfredo Patti do Amaral e Renato Orlando Costa, ambos com 19 anos, os quais o ajudaram na tentativa de ocultação do cadáver. No entanto, a polícia encontrou marcas de sangue no apartamento de Ricardo e no play do prédio. De acordo com as investigações, o corpo de Mônica foi removido do playground do prédio e levado pelos três jovens para uma estrada, no bairro do Horto. Assim, Ricardo, Alfredo e Renato teriam desovado o cadáver, após a tentativa de eliminar os vestígios do homicídio, com a lavagem do piso do play ensanguentado. Em 20 de maio de 1990, os acusados foram a júri popular. Ricardo foi julgado pelo assassinato de Mônica e condenado a 20 anos de prisão, conseguindo obter liberdade condicional, após cumprir um terço da pena. Já Alfredo e Renato foram condenados a um 1 ano e 5 meses de prisão, por ocultação de cadáver, mas, como eram réus primários, cumpriram a pena em liberdade. As circunstâncias da morte de Mônica até hoje permanecem misteriosas. A jovem foi homenageada na canção "Mônica", composta e gravada pela cantora Ângela Ro Ro, em seu álbum Eu desatino (1985). Já a telenovela Verão 90, dirigida por Jorge Fernando (1955-2019), e exibida pela Rede Globo de Televisão, em 2019, teve como tema central a morte da personagem Nicole, interpretada pela atriz Barbara França. A morte da personagem foi inspirada no “Caso Mônica”.

 

Daniella Perez (1970-1992) – atriz e bailarina brasileira. Filha da escritora e autora de telenovelas Glória Perez, e casada com o ator Raul Gazolla, Daniella foi assassinada na mesma época em que gravava a sua terceira novela, De corpo e alma (1992). Dançarina profissional, Dany, como era chamada entre os amigos, conheceu seu marido, Raul Gazolla, em sua primeira participação para a TV, fazendo o papel de uma dançarina de tango na novela Kananga do Japão (1990), exibida pela Rede Manchete de Televisão. Dany e Raul casaram-se, oficialmente, alguns meses depois. Mais tarde, já reconhecida pelo grande público, a atriz recebeu um convite, desta vez para interpretar, na Rede Globo de Televisão, a personagem Yasmin, naquele que seria o seu último trabalho, na novela De corpo e alma (1992). No dia 28 de dezembro do mesmo ano, Dany, aos 22 anos, foi barbaramente assassinada pelo, na época ator e colega de trabalho, Guilherme de Pádua, e por sua então esposa, Paula Thomaz, que a emboscaram e a mataram com 18 punhaladas, perfurando o pescoço, o pulmão e o coração da atriz. Um advogado que passava pelo local do crime achou estranho dois carros parados num local ermo e, pensando se tratar de um assalto, anotou as placas. O advogado dirigiu-se, então, à sua casa, e ligou para a polícia. O corpo de Daniella foi encontrado num matagal, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro.  A polícia, de posse do número da placa do carro, descobriu que o proprietário do veículo era Guilherme de Pádua. Na manhã do dia 29 de dezembro, Guilherme foi conduzido à delegacia. Inicialmente, o ator negou a autoria do crime, mas, no mesmo dia, encurralado pelas provas, acabou admitindo a autoria. Numa conversa informal com os policiais, Paula chegou a confessar a participação no assassinato, mas, em depoimento, negou seu envolvimento. O delegado do caso chegou a ouvir um telefonema de Guilherme para Paula, em que ele dizia que iria “segurar tudo sozinho”. Assim, a polícia também passou a suspeitar de Paula. Guilherme e Paula foram presos no dia 31 de dezembro. Ao longo dos 5 anos seguintes, até o julgamento, Guilherme de Pádua testou várias versões através da imprensa. Nenhum dos dois conseguiu convencer o júri. Quanto ao motivo do crime, Guilherme teria assediado, sem sucesso, Daniella, por se tratar da "filha da autora da novela", com o intuito de persuadi-la a convencer Glória Perez a aumentar seu papel em De corpo e alma. Numa infeliz coincidência, seu personagem, ao contrário, teve a participação reduzida na semana que antecedeu o assassinato, o que fez com que Guilherme acreditasse que sua carreira estava sendo prejudicada, propositalmente, por Dany e Glória, supondo que Daniella tivesse contado à mãe sobre as suas investidas malsucedidas. Ele teria, então, tramado o assassinato da atriz, juntamente com sua mulher, que já alimentava um ciúme doentio das cenas de Daniella e Guilherme juntos, os quais formavam um par romântico na novela. Na época, também se disse que Guilherme e Paula teriam tramado a morte de Dany, pelo fato de estarem envolvidos num ritual de magia negra. Julgados e condenados por homicídio duplamente qualificado, com motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima, em 1997, Guilherme e Paula cumpriram apenas 7 anos em regime fechado, de um total de 19 anos a que foram condenados. O casal se divorciou ainda na prisão, após a mudança da versão de Guilherme para o crime, ao dizer que Paula também participara do assassinato. A indignação popular que se seguiu a esse episódio resultou na alteração, por iniciativa da escritora Glória Perez, que conseguiu mais de 1 milhão de assinaturas, da Lei dos Crimes Hediondos: a partir daí, o homicídio qualificado (praticado por motivo torpe ou fútil, ou cometido com crueldade) passou a ser incluído (por meio da Lei Federal nº 8.930/1994) na Lei dos Crimes Hediondos, que não permitia pagamento de fianças e impunha o cumprimento de um tempo maior da pena, para se fazer jus à progressão do regime fechado ao semiaberto (em 2006, no entanto, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a proibição de progressão de regime). A saída da personagem da atriz na novela foi explicada com uma viagem de estudos ao exterior. Já o personagem de Guilherme de Pádua simplesmente “deixou de existir”. Em março de 2002, o desembargador Paulo Gustavo Horta determinou que Glória Perez e Raul Gazolla recebessem uma multa indenizatória, no valor de 500 salários mínimos, cada, de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, condenados pelo assassinato de Daniella Perez. A ação foi julgada em segunda instância pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça fluminense. No entanto, recursos procrastinatórios adiaram o trânsito em julgado da sentença por muitos anos. Finalmente, em 29 de abril de 2016, Glória e Raul venceram a causa definitivamente. A Prefeitura do Rio de Janeiro prestou uma homenagem à atriz, inaugurando uma creche pública, chamada "Creche Municipal Daniella Perez". Há, ainda, duas ruas, no Brasil, batizadas com o nome de Daniella: uma na cidade de Piracicaba (SP), e outra na cidade de Duque de Caxias (RJ).

 

Irmã Dorothy (1931-2005) – Dorothy Mae Stang, mais conhecida como Irmã Dorothy, foi uma religiosa e ativista norte-americana naturalizada brasileira. Dorothy ingressou na vida religiosa em 1950 e emitiu seus votos perpétuos – pobreza, castidade e obediência – em 1956. De 1951 a 1966, foi professora em escolas da congregação: St. Victor School (Calunet City, Ilinois), St. Alexander School (Villa Park, Illinois) e Most Holy Trinity School (Phoenix, Arizona). Em 1964, graduou-se na Universidade Notre Dame de Namur, em Belmont (Califórnia). Dois anos depois, iniciou seu ministério no Brasil, na cidade de Coroatá, no estado do Maranhão. Irmã Dorothy estava presente na Amazônia desde a década de 1970, junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu. Sua atividade pastoral e missionária buscava a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas, junto aos trabalhadores rurais da área da rodovia Transamazônica. Seu trabalho focava-se também na minimização dos conflitos fundiários na região. Atuou, ativamente, nos movimentos sociais no Pará. Sua participação em projetos de desenvolvimento sustentável ultrapassou as fronteiras da pequena Vila de Sucupira, no município de Anapu, no estado do Pará, a 500 quilômetros de Belém do Pará, ganhando reconhecimento nacional e internacional. A religiosa participava da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desde a sua fundação, e acompanhava a vida e a luta dos trabalhadores do campo, sobretudo na região da Transamazônica, no Pará. Defensora de uma reforma agrária justa e consequente, Irmã Dorothy mantinha uma intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica. Dentre as suas numerosas iniciativas em favor dos mais pobres, Irmã Dorothy ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores na rodovia Transamazônica, que corta ao meio a pequena Anapu. Era a Escola Brasil Grande. Devido à sua luta, Irmã Dorothy recebeu, ao longo dos anos, diversas ameaças de morte, sem deixar intimidar-se. Ainda em 2004, recebeu uma premiação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB, seção Pará), em razão do seu ativismo em defesa dos direitos humanos. No ano seguinte, foi homenageada no documentário livro-DVD Amazônia revelada. Dorothy Stang foi assassinada, aos 73 anos de idade, com 6 tiros: 1 na cabeça e 5 ao redor do corpo, no dia 12 de fevereiro de 2005, às 7h30min, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, onde a missionária foi enterrada. O fazendeiro Vitalmiro Moura, o “Bida”, acusado de ser o mandante do crime, foi condenado, em um primeiro julgamento, a 30 anos de prisão. No segundo, porém, foi absolvido. Após um terceiro julgamento, foi novamente condenado pelo júri popular a 30 anos de prisão. No dia 16 de abril de 2019, a Polícia Civil do Pará prendeu, em Altamira, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, que teve a prisão decretada pela Justiça após sua condenação como mandante do assassinato da missionária norte-americana. Policiais civis da Superintendência Regional do Xingu e das Delegacias de Homicídios (DH) e de Conflitos Agrários (DECA) de Altamira receberam o mandado de prisão de Regivaldo Galvão, encaminhado pelo Tribunal de Justiça paraense. O fazendeiro foi localizado em sua casa, em Altamira, no interior do estado, e transferido para a prisão. Regivaldo Galvão foi condenado a 30 anos de reclusão, no dia 30 de abril de 2010, como mandante do assassinato de Dorothy Stang. A condenação foi mantida em segunda instância (2019), mas a pena foi reduzida para 25 anos. Atualmente, Irmã Dorothy faz parte do calendário de santos da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, como "Mártir da Caridade na Amazônia". Sua memória é celebrada com uma festa litúrgica anual, a cada 12 de fevereiro.

Benazir Bhutto (1953-2007) – política paquistanesa, duas vezes primeira-ministra de seu país, tornou-se a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe de governo de uma nação de maioria muçulmana. Benazir Bhutto nasceu em Karachi, província do Paquistão, em 21 de junho de 1953. Filha mais velha do primeiro-ministro do Paquistão, Zulfikar Ali Bhutto (1928-1979), sua família sempre foi muito tradicional na política paquistanesa. Benazir estudou, inicialmente, em Harvard, e depois em Oxford, no Reino Unido, onde cursou Ciências Políticas e Filosofia, formando-se em 1976. Em junho de 1977, regressou ao Paquistão, pois queria entrar para o Serviço de Relações Exteriores. Contudo, seu pai preferiu que ela disputasse a eleição para a Assembleia. Como ainda não possuía idade para isso, Benazir trabalhou como conselheira de Zulfikar.  Quando o general Muhammad deu um golpe de Estado e depôs seu pai, executando-o, em 1979, Benazir assumiu, ao lado de sua mãe, a liderança do Partido Popular do Paquistão (PPP). Bhutto logo foi presa e, depois de libertada, em 1984, seguiu para o exílio no Reino Unido, onde permaneceu até o fim da Lei Marcial no Paquistão, bem como até a legalização dos partidos políticos, em 1986. Em 10 de abril do mesmo ano, Benazir retornou do exílio em Londres para liderar o PPP. Em 1º de dezembro de 1988, seu partido venceu as eleições parlamentares, e ela tornou-se, aos 35 anos, a primeira premiê de um Estado muçulmano. Dois anos depois, no dia 6 de agosto, o presidente paquistanês Ghulam Ishaq Khan (1915-2006) destituiu-a do cargo, alegando abuso de poder, nepotismo e corrupção. Consequentemente, seu partido foi derrotado nas eleições, e ela passou a fazer oposição no parlamento. Em 19 de outubro de 1993, tornou-se primeira-ministra pela segunda vez. Mas, em 5 de novembro de 1996, foi novamente destituída do cargo, desta vez pelo presidente Farooq Leghari (1940-2010), sob acusações de corrupção e improbidade administrativa, e pela morte de detentos. Em 1999, após a tomada do poder por militares liderados pelo general do Exército e político paquistanês, Pervez Musharraf, Bhutto se autoexilou em Londres e em Dubai, escapando de processos que corriam na Justiça paquistanesa, acusando-a de corrupção. O Poder Judiciário paquistanês julgou-a culpada das acusações de desvio e “lavagem” de dinheiro, em 2004. Benazir também teve problemas com a Justiça suíça, por suspeita de haver recebido propina, no valor de 11,7 milhões de dólares, por parte de empresas participantes de concorrências públicas, para contratos de inspeção de mercadorias nas alfândegas paquistanesas. No dia 5 de outubro de 2007, Musharraf concedeu-lhe uma anistia, abrindo caminho para um acordo com a líder do PPP. Após 8 anos de autoexílio, Benazir Bhutto finalmente voltou ao Paquistão. Desembarcou em Karachi em 18 de outubro de 2007, sendo recebida por mais de 100 mil pessoas. Ao desfilar com seus correligionários pela capital paquistanesa, duas explosões ocorreram em meio à multidão, perto dos carros da sua comitiva, matando ao menos 140 pessoas, e ferindo mais de 200. A ex-primeira ministra, porém, não foi atingida. Bhutto chegou a ser mantida em prisão domiciliar, temporariamente, em uma casa na cidade de Lahore, ficando impedida de liderar uma marcha contra o estado de emergência, decretado por Musharraf, em 3 de novembro. Foi libertada 6 dias depois, em 9 de novembro. Desde seu retorno ao Paquistão, Benazir Bhutto lutou pela renúncia do general Pervez Musharraf da presidência do Paquistão, mesmo tendo este oferecido à líder oposicionista o cargo de primeira-ministra. Benazir Bhutto foi morta no dia 27 de dezembro de 2007, aos 54 anos, durante um atentado suicida em Rawalpindi, cidade próxima a Islamabad, quando retornava de um comício no Parque Liaquat. O ataque ocorreu enquanto o carro da ex-primeira-ministra trafegava, seguido por simpatizantes, e Benazir acenava para a multidão, pelo teto solar do veículo. Bhutto foi alvejada no pescoço e no peito, possivelmente por um homem-bomba, que, em seguida, se explodiu próximo ao veículo, provocando a morte de cerca de 20 pessoas. Um dirigente da Al-Qaeda no Afeganistão assumiu a responsabilidade pelo ataque. Sua morte ocorreu a duas semanas da realização de eleições no Paquistão, marcadas para o dia 8 de janeiro de 2008. Benazir Bhutto iria participar do pleito, pelo Partido Popular do Paquistão. Em setembro de 2008, o viúvo de Benazir, Asif Ali Zardari, líder do PPP, conseguiu a maioria de votos necessária para se proclamar presidente do Paquistão. A força do PPP e de seus aliados nas Assembleias do país, encarregadas da votação, transformaram Zardari em favorito para suceder a Pervez Musharraf. Nascido em Nawabshah, na província de Sindh (sudeste), no dia 21 de junho de 1956, em uma família de fazendeiros, o então jovem Zardari cursou apenas o ensino médio. Em 1987, casou-se de maneira arranjada com Benazir Bhutto. Zardari foi popularmente considerado o responsável pela corrupção que pôs fim aos dois governos de sua esposa.

Isabella Nardoni (2002-2008) – Isabella de Oliveira Nardoni foi uma criança brasileira assassinada, aos 5 anos de idade, jogada do 6º andar de um edifício localizado no distrito de Vila Guilherme, em São Paulo, na noite de 29 de março de 2008. Isabella nasceu na capital paulista, em 18 de abril de 2002. Era filha de Ana Carolina Cunha de Oliveira e de Alexandre Alves Nardoni. Ana Carolina engravidou de Isabella aos 17 anos. A notícia da gravidez não foi bem recebida por Alexandre, já que, na época, ele estudava para tentar ingressar em uma faculdade de Direito. Alexandre Nardoni separou-se de Ana Carolina quando Isabella estava com apenas 11 meses. Na época da morte da menina, Alexandre Nardoni vivia com a madrasta de Isabella, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá. Isabella Nardoni foi encontrada morta, no dia 29 de março de 2008, no gramado em frente ao prédio, após ter sido jogada de uma altura de 6 andares, no jardim de um edifício residencial, situado na Zona Norte de São Paulo. No apartamento, moravam, além de Alexandre, a madrasta da menina e 2 filhos do casal: um de 11 meses, e outro, de 3 anos. A menina já estava morta quando a ambulância chegou. O pai de Isabella afirmou, em depoimento, que o prédio onde morava havia sido assaltado, e a menina teria sido jogada da janela por um dos bandidos. De acordo com a imprensa, ele teria dito que, ao retornar para casa, à noite, deixou sua mulher e os 2 filhos do casal no carro, estacionado na garagem, e subiu para colocar Isabella, que já dormia, na cama. Em seguida, teria descido para ajudar a carregar as outras 2 crianças, mas, ao voltar ao apartamento, vira a tela de proteção da janela rasgada, e a filha caída no gramado em frente ao prédio. Dias depois, a investigação constatou que a tela de proteção da janela do apartamento havia sido cortada, propositalmente, para que a menina fosse jogada, e que havia marcas de sangue no quarto da criança. O caso teve forte repercussão no Brasil, nos dias 30 e 31 de março. Ainda no dia 30, um domingo, a imprensa revelou que a polícia descartara a possibilidade de acidente na morte de Isabella. A perícia feita pela polícia técnico-científica constatou que a rede de proteção da sacada havia sido cortada propositalmente, mas no quarto dos irmãos de Isabella, e não no próprio quarto da menina. Na mesma semana, o tio de Isabella declarou à imprensa que Alexandre e Anna Jatobá tinham uma “ótima relação”. No entanto, os vizinhos afirmaram o contrário, pois as brigas entre o casal eram constantes na presença de Isabella, nos fins de semana, no apartamento. Na madrugada do dia 31 de março, Alexandre e Anna foram liberados pela polícia civil após mais de 24 horas de depoimento. Em outro depoimento, uma vizinha do prédio afirmou que ouviu gritos de uma menina pedindo socorro, mas não saiu de seu apartamento para verificar quem era. No dia 1º de abril, a imprensa noticiou que os primeiros laudos do Instituto Médico Legal (IML) apontavam indícios de asfixia anteriores à queda da menina. Além disso, a perícia também constatou que havia indícios de que o local do crime havia sido adulterado, na tentativa de transformá-lo de cena de homicídio em cena de latrocínio. O promotor designado para o caso afirmou que as provas indicavam, "claramente", que a cena do crime havia sido adulterada. A averiguação dos peritos também garantiu que não havia nenhum sinal de arrombamento no apartamento, muito menos de furto. Em depoimento à polícia, Alexandre disse que passou o sábado na casa do sogro, e que voltou ao seu apartamento, com sua esposa e as crianças, por volta de 23h30min. A perícia constatou, ainda, que Isabella havia sido lançada pelos pulsos, e que as marcas de suas mãos ficaram logo abaixo da janela, assim como a marca de seus joelhos. Em entrevista à imprensa, Ana Carolina Oliveira revelou que ela e Alexandre tinham uma “relação distante", mas que "Isabella tinha um amor incondicional pelo pai". Já o laudo elaborado pelo médico Laércio de Oliveira Cesar, com o auxílio de colegas de profissão, reforçou a ideia de que a menina havia sido asfixiada por esganadura ou sufocamento; que teve um osso da mão esquerda quebrado, provavelmente por meio de uma torção, e que havia sinais de que essa fratura ocorreu quando Isabella ainda estava viva. Além disso, foi encontrada uma pequena hemorragia no cérebro. As especulações da perícia policial foram cruciais para embasar a tese de coautoria da madrasta, desqualificando-a da simples condição de testemunha. Na camiseta de Alexandre foram encontrados sinais de vômito, possivelmente proveniente da asfixia. Após o depoimento de Ana Carolina, na tarde do dia 2 de abril, a Justiça paulista aceitou o pedido de prisão provisória de Alexandre Nardoni, e da madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá. A perícia inicial revelou que a causa mortis foi parada cardiorrespiratória, com evidências claras de asfixia e/ou sufocamento, contradizendo as afirmações do pai da criança. Além disso, foram encontrados vestígios de sangue no apartamento do casal, nos dormitórios, no corredor, na maçaneta da porta de entrada da residência, e no lençol da cama onde Alexandre disse ter colocado Isabella, adormecida. No exame pericial complementar, a polícia encontrou no edifício peças do vestuário do pai da garota no banheiro de um apartamento inabitado do 6º andar, cuja proprietária é a irmã do principal suspeito, além de manchas de sangue nos bancos do carro da família. Provas testemunhais deram conta de que, na noite da morte de Isabella Nardoni, houve uma severa discussão entre o casal, e gritos de uma criança pedindo socorro. No dia 31 de março, por volta de 9h30min, depois de ser liberado pela perícia, o corpo de Isabella foi enterrado no Cemitério Parque dos Pinheiros, no bairro de Jaçanã, Zona Norte de São Paulo. Em 18 de abril de 2008, o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá foram indiciados pela Polícia Civil, pelo homicídio de Isabella de Oliveira Nardoni, data em que a menina completaria 6 anos. Em 29 de maio de 2008, o juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo aceitou a denúncia do Ministério Público de São Paulo contra o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, decretando a prisão preventiva do pai e da madrasta de Isabella. Posteriormente, em depoimento, a avó materna de Isabella afirmou que a madrasta odiava a menina. Nacionalmente, todas as emissoras de televisão e meios midiáticos cobriram o crime, tendo sido classificado como um dos maiores casos de repercussão no país. No início de 2009, três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram, por unanimidade, que o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá seria levado a júri popular. Ao final das investigações, ficou comprovado que, após uma discussão, Alexandre batera em sua filha com uma chave, o que havia provocado um ferimento em sua testa. Anna Carolina teria, então, asfixiado a menina, deixando-a desacordada. Achando que Isabela estava morta, o casal teria cortado a tela de uma das janelas do apartamento, e atirado a menina lá de cima. Em seguida, teriam ligado para a PM, dizendo que um ladrão havia invadido o apartamento e cometido o crime. O primeiro dia de julgamento ocorreu em 22 de março de 2010, cerca de 2 anos após a morte de Isabella. Após 5 dias de julgamento, o juiz Maurício Fossen fez o pronunciamento, que foi transmitido por diversas redes de televisão ao vivo. O júri considerou o casal culpado, por homicídio triplamente qualificado (pelo fato de a criança ter sido asfixiada, considerado meio cruel; não ter tido chance de defesa, por estar inconsciente ao cair da janela, e pelo fato de o homicídio ter sido cometido com a finalidade de ocultar a prévia agressão) e fraude processual. Alexandre Nardoni foi condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias – com a agravante de ser pai de Isabella –, e Anna Carolina Jatobá a 26 anos e 8 meses, ambos em regime fechado. Por decisão do juiz, o casal não pôde recorrer da sentença em liberdade, para garantia da ordem pública. Desde então, a condenação foi confirmada por todas as instâncias superiores.

 

Eliza Samudio (1985-2010) – Eliza Silva Samudio foi uma modelo e atriz brasileira assassinada, supostamente, no dia 10 de junho de 2010. Os acontecimentos referentes ao desaparecimento e à morte da modelo configuraram o chamado “Caso Eliza Samudio”. Eliza Silva Samudio nasceu em Foz do Iguaçu, município brasileiro localizado na Região Oeste do estado do Paraná (PR), em 22 de fevereiro de 1985. Filha do arquiteto Luiz Carlos Samudio e da agricultora Sônia Fátima Silva Moura, Eliza conviveu com sua mãe durante pouco tempo. Frequentemente agredida pelo marido, mas também por questões financeiras, Sônia Fátima deixou Eliza Samudio com o pai, quando a menina estava com apenas 6 meses. Desde os 13 anos, Eliza desejava sair de sua cidade natal para se tornar modelo no eixo Rio-São Paulo, o que fez aos 18 anos, mudando-se para a capital paulista. Não conhecendo ninguém na cidade, e passando por dificuldades financeiras, Eliza começou a trabalhar como garota de programa para se sustentar, até conseguir se tornar modelo. O advogado Jader Marques confirmou em entrevista que Eliza, mesmo participando de desfiles e editoriais de moda, atuou em filmes pornográficos, de 2005 a 2009. Segundo testemunhas, Eliza e o jogador de futebol do time carioca Flamengo, Bruno Fernandes de Souza, o “Goleiro Bruno”, se conheceram em 2008. Bruno, no entanto, afirmou que conheceu Eliza em maio de 2009, num churrasco, realizado na Barra, Zona Oeste do Rio de Janeiro. De acordo com relatos de Bruno, ele conheceu Eliza numa festa e manteve relações sexuais com ela numa orgia, realizada na casa de um outro jogador do Flamengo. Bruno disse que o preservativo que usava rompeu durante o ato sexual. O goleiro afirmou, ainda, que festas desse tipo são comuns entre os jogadores de futebol. Após essa festa, ambos passaram a se encontrar frequentemente, e ela deixou a vida de programas para ficar com Bruno, a pedido deste, que, mesmo sendo casado, prometeu que se separaria de sua esposa para ficar com ela. Em agosto de 2009, Bruno terminou o relacionamento após Eliza anunciar que estava grávida dele, e que não faria aborto, o que teria sido proposto por ele logo ao saber da notícia. Em 13 de outubro de 2009, Eliza prestou queixa à polícia, dizendo que, na véspera, teria sido mantida em cárcere privado pelo goleiro e seus amigos "Russo" e "Macarrão", e obrigada a tomar substâncias abortivas. Também alegou que havia sido espancada pelos três, e que, num dado momento, Bruno teria apontado uma arma para sua cabeça. Proibido pela delegada Maria Aparecida Mallet, da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM) de Jacarepaguá, de se aproximar da modelo por menos de 300 metros de distância, o goleiro divulgou uma nota na qual negava qualquer tipo de agressão. Em 2009, a juíza Ana Paula Delduque Migueis Laviola de Freitas, responsável por atender ao pedido de proteção solicitado, negou-o, argumentando que Eliza não tinha relacionamento íntimo com o goleiro, e que a moça estava tentando "punir o agressor, sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha". A juíza então encaminhou o caso para uma vara criminal. Em sua decisão, destacou que a Lei Maria da Penha "tem como meta a proteção da família, seja ela proveniente de união estável ou do casamento, bem como objetiva a proteção da mulher na relação afetiva, e não na relação puramente de caráter eventual e sexual". Não considerou a condição de Eliza, grávida de 5 meses. O bebê, que seria registrado com o mesmo nome do jogador, nasceu em 10 de fevereiro de 2010, na cidade de São Paulo, quando Eliza estava morando na casa de uma amiga, desde a descoberta da gravidez. Bruno recusou-se a reconhecer a paternidade, pois não mantinha um compromisso sério com ela, além de não saber se ela possuía outros relacionamentos enquanto estava com ele, e também devido ao seu passado como prostituta, acusando-a de querer dar o "golpe da barriga", por ele ter dinheiro. Eliza ingressou, então, com uma ação de reconhecimento de paternidade, depois de chegar a morar com o filho na capital fluminense, em hotéis pagos por Bruno. Ela passou a exigir pensão para o filho e denunciou o goleiro por agressão, o que trouxe complicações para a carreira de Bruno, no tocante à sua imagem pública. Enfurecido com a ex-amante, o goleiro prometeu vingança. De acordo com as investigações policiais, Eliza estava, antes de desaparecer, no sítio do jogador em Esmeraldas, interior de Minas Gerais, a pedido dele. Ela teria ido para o local no dia 4 de junho de 2010, fato que surpreendeu os advogados da ação, uma vez que o jogador parecia disposto a negociar um acordo. O desaparecimento da modelo ocorreu durante essa viagem. Eliza foi ao encontro do jogador, pois ainda alimentava esperanças de se reconciliar com o goleiro. Tempos depois, Bruno afirmaria que ela havia ido embora do sítio por sua própria vontade, e que deixara a criança com um colega em comum do ex-casal. O menino foi achado numa favela de Ribeirão das Neves, e Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, esposa do goleiro, tornou-se suspeita de ter levado a criança para lá. Bruno teve com Dayanne duas filhas. Ela também foi investigada. Em 26 de junho de 2010, a Polícia Civil mineira declarou Bruno suspeito pelo desaparecimento de Eliza. No dia 6 de julho de 2010, um jovem de 17 anos, primo do goleiro, foi encontrado na residência de Bruno, na Barra da Tijuca, e afirmou ter dado uma coronhada em Eliza, que, desacordada, teria sido levada para Minas Gerais, e lá esquartejada por traficantes, a mando do goleiro, e seus restos mortais teriam sido jogados para cães da raça rottweiler. Os ossos da modelo teriam sido concretados. Em 8 de julho de 2010, o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como "Neném", "Paulista" ou "Bola", também acusado pelo homicídio de Eliza Samudio, foi preso pela polícia mineira. Acredita-se que Eliza foi morta, provavelmente, no dia 10 de junho de 2010. Após seu desaparecimento, a mãe de Eliza pediu a guarda da criança, o que lhe foi concedido pela Justiça. Solicitada, a Justiça mineira expediu um mandado de internação do adolescente que prestara depoimento no dia 6 de julho de 2010, além da prisão preventiva de Bruno, e de mais 7 pessoas, no dia seguinte. A Justiça fluminense também havia expedido um mandado de prisão preventiva contra Bruno e Luiz Henrique Romão, mais conhecido como “Macarrão”, pelo sequestro e cárcere privado de Eliza, ocorrido em outubro de 2009. Bruno e Macarrão se entregaram à polícia no Rio de Janeiro. A 38ª Vara Criminal do Rio atendeu ao pedido da polícia mineira, e determinou a transferência de ambos para o estado de Minas Gerais. O julgamento de Bruno Fernandes, Luiz Henrique Romão, Marcos Aparecido dos Santos, Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, Fernanda Gomes de Castro, Elenilson Vitor da Silva e Wemerson Marques de Souza, acusados de crimes diversos, foi iniciado na cidade de Contagem, Minas Gerais, em 19 de novembro de 2012, ou seja, mais de 2 anos após o desaparecimento da modelo. No dia 21 de novembro, o julgamento do goleiro Bruno foi desmembrado e adiado para março de 2013, segundo decisão da magistrada responsável pelo caso. O adiamento foi concedido, a pedido da defesa de Bruno. Três dias depois, Macarrão, que exibiu num dos braços a tatuagem “Amor Eterno”, dedicada a Bruno, foi condenado a 15 anos de prisão, por homicídio qualificado. Já Fernanda Gomes de Castro, ex-namorada do goleiro, a 5 anos de prisão, por participação no crime. No final de dezembro, o contrato de Bruno com o Flamengo, até então suspenso, foi encerrado oficialmente. Em janeiro do ano seguinte, a juíza determinou a expedição da certidão de óbito de Eliza Samudio. No mandado, a causa da morte de Eliza foi asfixia. Em 4 de março de 2013, iniciou-se o novo julgamento do goleiro Bruno. Quatro dias depois, o jogador foi condenado a 17 anos e 6 meses em regime fechado, por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), a outros 3 anos e 3 meses em regime aberto, por sequestro e cárcere privado, e ainda a mais 1 ano e 6 meses, por ocultação de cadáver. Dayanne foi absolvida. No final de abril, Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, foi condenado a 22 anos de prisão: a pena abrangeu 19 anos de prisão em regime fechado, por homicídio, e mais 3 anos de prisão em regime aberto, por ocultação do cadáver.

 

Patrícia Acioli (1964-2011) – Patrícia Lourival Acioli foi uma juíza brasileira assassinada, aos 47 anos, por policiais militares que estavam sendo julgados por ela. Formada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi defensora pública concursada, no início da carreira. Posteriormente, prestou concurso para a magistratura fluminense. Desde 1999, trabalhava como juíza na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Destacou-se por aplicar penas duras contra traficantes de drogas, gangues e policiais corruptos. Por conta dessa atitude firme, recebeu várias ameaças de morte, ao longo de sua atividade profissional. Na noite de 11 de agosto de 2011, Patrícia retornou de carro do Fórum de São Gonçalo, onde trabalhava, para sua casa, localizada no bairro de Piratininga, na cidade de Niterói (RJ). Ao chegar à porta de sua residência, seu automóvel foi alvejado por dois motociclistas mascarados. A juíza morreu imediatamente, em consequência de 21 disparos de armas de fogo, cujas cápsulas de munição pertenciam ao 7º Batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo. O assassinato repercutiu em todo o Brasil e no exterior. Segundo o que foi apurado pelas investigações, Patrícia foi morta por haver desbaratado uma quadrilha de policiais corruptos e milicianos, que até então atuava à vontade no município de São Gonçalo, o segundo mais populoso do estado do Rio. O resultado de uma série de crimes praticados pelo grupo começou a vir à tona em 2010, quando uma força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Civil encontrou irregularidades nos autos de resistência do 7º Batalhão da Polícia Militar (São Gonçalo). Auto de resistência é um documento usado pelos policiais para registrar as mortes em situações de confronto, geralmente quando a voz de prisão não é cumprida e os suspeitos continuam ameaçando a vida dos policiais. Na prática, em todo o Brasil, esses registros são também um mecanismo para ocultar os abusos, as execuções, as “queimas de arquivo” e as desastrosas ações de tropas despreparadas. Desse modo, o grupo de trabalho formado por promotores de Justiça e policiais do núcleo de homicídios da 72ª Delegacia de Polícia encontrou, nos autos de resistência registrados entre 2004 e 2010, um volume assustador de registros forjados: de 60 autos de resistência analisados, somente 6 eram verdadeiros, e 54 escondiam detalhes que enquadravam as mortes no conjunto de crimes praticados por policiais, quase todos eles PMs do 7º BPM (São Gonçalo). Patrícia Acioli passou, então, a receber o material das investigações do Ministério Público e da Polícia Civil e, consequentemente, a decretar as prisões de policiais envolvidos em autos de resistência forjados. A insatisfação com as prisões se espalhou entre os maus policiais da região, e o nome da juíza entrou para a lista de inimigos da quadrilha. Já Patrícia passou a observar mais de perto o tenente-coronel Claudio Luiz de Oliveira, comandante do 7° BPM. E, na medida em que novos casos se sucederam, a magistrada se convenceu de que o comandante da unidade tinha conhecimento dos crimes e, no mínimo, acobertava as execuções. Em 3 de junho de 2011, outra ação dos policiais do batalhão fez uma vítima na Favela do Salgueiro: o jovem Diego Beliene, de 18 anos. Em 16 de junho, a juíza decretou a prisão de três PMs do Grupo de Ações Táticas (GAT) do 7º BPM (todos homens de confiança do tenente-coronel Claudio Oliveira), em virtude da execução de Diego. A partir daí, a quadrilha percebeu que as investigações sobre a morte de Diego prosseguiriam e, temendo que Patrícia Acioli viesse a decretar novas prisões, decidiu tramar sua morte. De acordo com a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, dois policiais militares foram responsáveis pelos disparos que mataram a juíza: os cabos Sérgio Costa Júnior e Jeferson de Araújo Miranda. O tenente Daniel Benitez Lopes, provável mentor intelectual do crime, agiu a mando do tenente-coronel Cláudio Oliveira.  O trio preso por executar Patrícia teve como objetivo impedir sua própria prisão. Horas antes de ser vítima do ataque, a magistrada decretou as prisões dos três policiais. Em outubro de 2016, seis ex-policiais julgados no caso foram condenados pela Justiça. O comandante do 7º BPM foi condenado por homicídio qualificado, com motivo torpe e uso de emboscada, além de formação de quadrilha, totalizando 40 anos de pena. A mesma condenação foi aplicada ao tenente Daniel Benitez.  Em fevereiro de 2020, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve as condenações dos três policiais envolvidos diretamente na morte da juíza. Em 2012, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ) criou o Prêmio Juíza Patrícia Acioli de Direitos Humanos. Em sua homenagem, o Fórum Regional de Alcântara, da comarca de São Gonçalo, passou a se chamar Fórum Juíza Patrícia Lourival Acioli. A Câmara de Vereadores de Niterói também aprovou, no dia 4 de abril de 2012, um projeto de lei que deu o nome da juíza à antiga Rua E, localizada no bairro do Badu, situado no distrito de Pendotiba, região administrativa do município de Niterói.

Jandyra dos Santos Cruz (1987-2014) – Jandyra Magdalena dos Santos Cruz foi uma jovem brasileira morta, aos 27 anos, durante um procedimento de aborto, realizado numa clínica clandestina em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. No dia 26 de agosto de 2014, Jandyra, então com 27 anos, entrou em um carro na Rodoviária de Campo Grande, em direção a uma clínica ilegal. O objetivo era realizar um aborto, no segundo mês de gestação. Auxiliar administrativa, a jovem foi definida, por sua própria mãe, Maria Ângela Magdalena dos Santos, como uma moça comum, de personalidade alegre e de sorriso fácil, que vivia cercada de pessoas e adorava pregar peças nos amigos e parentes mais próximos. “Menina-mulher”, aos 15 anos de idade Jandyra teve uma grande festa de debutante, com direito a troca de vestidos. Pouco tempo depois, engravidou do primeiro namorado. Mesmo sendo uma adolescente na época, a gestação não foi traumática. Nas fotografias, Jandyra aparecia sempre sorridente, exibindo a barriga que crescia, entre familiares e amigos. Quando Camile nasceu, Jandyra recebeu o apoio de sua mãe para cuidar da menina, sem que precisasse deixar a escola, pois sonhava cursar uma faculdade, talvez de Comunicação. Contudo, um novo amor surgiu em sua vida e, com ele, uma nova gestação, logo após a conclusão do ensino médio. Com a nova gravidez, Jandyra trocou o sonho da faculdade pela possibilidade de formar uma família. Casou-se com o novo namorado, Leandro Reis, e deu à luz Sara. A relação do casal era muito conturbada, cheia de idas e vindas. Quando brigavam, Jandyra voltava a morar com sua mãe. Na primeira separação, começou a trabalhar. Tornou-se auxiliar administrativa de uma concessionária de veículos, mas o sonho de ter uma família nunca deixou de existir. A jovem queria reatar com o marido e viver na casa que a mãe estava construindo para ela, com as duas filhas. Porém, durante uma das separações, um relacionamento rápido com outro homem resultou numa terceira gravidez. Desesperada, ela entrou em depressão. Tomou remédios que não funcionaram e, por indicação de uma amiga, marcou o aborto em uma clínica clandestina. No dia 26 de agosto de 2014, grávida de 2 meses, Jandyra saiu de casa para interromper a gestação indesejada. Foi para a rodoviária acompanhada do marido, mas entrou sozinha no carro de uma mulher, que a levaria para a clínica. Mais tarde, trocou algumas mensagens com Leandro e não deu mais notícias. Preocupado, Leandro procurou a sogra e, após 24 horas do desaparecimento, a família registrou o caso em uma delegacia. A notícia foi divulgada pela mídia e acompanhada por brasileiros de todo o país. Quase um mês depois, o corpo de uma jovem foi encontrado mutilado e carbonizado, dentro de um carro, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio. Exames de DNA comprovaram que o corpo era o de Jandyra. O funeral foi realizado no dia 28 de setembro, coincidentemente o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Na época, o crime causou comoção e levantou discussões sobre o funcionamento de clínicas clandestinas de aborto no país. Posteriormente, as investigações comprovaram que Jandira teve complicações durante o procedimento realizado por um falso médico. Os membros da quadrilha que geria a clínica clandestina atiraram na cabeça da jovem, já sem vida, e tentaram se desfazer do corpo, de maneira que não houvesse possibilidade de identificação. Ainda em 2014, a investigação do caso levou 9 envolvidos na morte para a prisão, todos membros da quadrilha que mantinha clínicas clandestinas na cidade. Em agosto de 2018, o falso médico Carlos Augusto Graça de Oliveira foi condenado a 26 anos e 6 meses de reclusão, pelos crimes de homicídio, aborto e formação de quadrilha; Rosemere Aparecida Ferreira, que gerenciava o grupo, recebeu pena de 35 anos e 6 meses de prisão, por homicídio, aborto (3 vezes), destruição de cadáver e formação de quadrilha; e Vanusa Vais Balcine, que também comandava a quadrilha, foi condenada a 15 anos e 6 meses de reclusão, por aborto seguido de morte, aborto (3 vezes), destruição de cadáver e formação de quadrilha. Durante o julgamento, ao ser interrogada, Rosemere confirmou que trabalhava na clínica clandestina e que chefiava a quadrilha responsável pelos abortos. Segundo ela, todos que estavam na casa deixaram o local após a morte de Jandyra. Depois de terem constatado a morte da auxiliar administrativa, Rosemere afirmou que foi até um sítio procurar Luciano Pacheco, um miliciano que aceitou se desfazer do cadáver. Ela negou participação na ocultação e mutilação do corpo. Em setembro de 2018, Carlos Antônio de Oliveira Júnior, motorista do grupo, foi condenado a 3 anos pelo crime de aborto de Jandyra e outras duas pacientes, Andréa e Ranieri. Mônica Gomes Teixeira e Marcelo Eduardo de Medeiros, donos do imóvel onde foi instalada a clínica, foram condenados a 4 anos por 3 abortos e associação criminosa. A repercussão do caso na imprensa intensificou o debate nacional sobre a questão do aborto no Brasil. Jandyra tornou-se símbolo da luta pela vida das mulheres que optam por interromper a gravidez. Embora o aborto só seja permitido em casos de estupro, risco de morte da mãe e feto com anencefalia, a Pesquisa Nacional do Aborto, da Universidade de Brasília (UnB), estima que uma em cada 4 mulheres, de até 40 anos, já interrompeu a gravidez. A cada ano, são feitos cerca de 500 mil abortos clandestinos. Quase metade dessas mulheres é hospitalizada após os procedimentos, conforme aponta a referida pesquisa. O Ministério da Saúde estima que 4 mulheres morrem, a cada dia, por complicações decorrentes de abortos clandestinos. Esse tipo de procedimento é a quarta causa de morte materna no país. Em 29 de novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus 124.306, em que foi relator o ministro Luís Roberto Barroso, decidiu, por maioria, que a interrupção da gravidez, até o terceiro mês de gestação, não pode ser equiparada ao aborto. Em seu voto, o magistrado destacou, inicialmente, que “a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. Durante esse período, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno”. Prosseguindo, o ministro argumentou, no sentido de que a criminalização de atos como o que estava sendo julgado ferem diversos direitos fundamentais, entre eles, os sexuais e reprodutivos da mulher, “que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada”. Barroso mencionou, ainda, a questão da integridade física e psíquica da gestante, “que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez”. Especificamente, sobre a condição social da mulher que decide abortar, o magistrado criticou o impacto da criminalização do ato sobre as classes mais pobres: “É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeter aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos”. Para impedir gestações indesejadas, em vez da criminalização, Barroso chamou atenção, ainda, para o fato de que existem diversos outros meios, como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo às mulheres que desejam ter um filho, mas não têm como sustentá-lo. “Praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália”, concluiu.

Luana Barbosa dos Reis (1981-2016) – mulher brasileira, negra e lésbica que veio a falecer, aos 34 anos de idade, em decorrência da violência policial praticada em uma abordagem da Polícia Militar, na cidade de Ribeirão Preto, interior do estado de São Paulo. Luana e sua irmã Roseli dos Reis nasceram em Miguelópolis, interior do estado de São Paulo. Já adulta, Luana chegou a ser presa, por porte de arma e roubo. Deixou a prisão em 2009 e, segundo Roseli, continuou estudando e trabalhando, sucessivamente, como faxineira, garçonete e vendedora. No dia 8 de abril de 2016, às 19 horas, Luana saiu de casa, no bairro onde morava, Jardim Paiva, em Ribeirão Preto, para levar o filho de 14 anos para um curso, quando foi abordada na esquina de sua rua por policiais militares. De acordo, ainda, com Roseli, Luana teria pedido para ser revistada por uma policial, e não por homens, mas a solicitação não foi atendida. Inconformada, ela não permitiu que o procedimento fosse feito por agentes do sexo masculino, e resistiu à abordagem. Nesse momento, segundo uma professora que passava pelo local, as agressões começaram. Posteriormente, o tenente-coronel da PM, Francisco Mango Neto, negaria as agressões e informaria que o motivo da abordagem teria sido a suspeita de que Luana dirigia, na hora, uma motocicleta roubada. De acordo com a Polícia Militar, os agentes reagiram depois que foram desacatados e agredidos por Luana. Todavia, uma testemunha afirmou que Luana havia sido brutalmente agredida por, pelo menos, 6 policiais. A vítima morreu na quarta-feira, dia 13, cinco dias após ter sido internada na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE). Consta, na declaração de óbito, que ela sofreu uma isquemia cerebral aguda, causada por traumatismo cranioencefálico. Os policiais militares envolvidos no suposto espancamento foram afastados de suas funções, enquanto durassem as investigações do caso. Em 3 de fevereiro de 2017, a Justiça Militar do Estado de São Paulo (JMSP) arquivou a investigação contra os 3 policiais militares. Em nota, a JMSP informou que o Ministério Público considerou que não havia indícios de crime militar. Na ocasião, a promotora de Justiça Robinete Le Fosse pediu o arquivamento do caso, "pela total ausência de materialidade objetiva". Diante desse escândalo, A ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgaram uma nota, no dia 4 de maio de 2016, pedindo uma “investigação imparcial” sobre a morte de Luana. A nota diz que, "de acordo com o relato da própria vítima, antes do seu trágico falecimento, e de seus familiares, há fortes indícios das práticas de sexismo, racismo e lesbofobia nos fatos que levaram à sua morte, constituindo uma perversa violação de direitos que segue na contramão das garantias individuais e coletivas conquistadas pelas mulheres no Brasil e no mundo". Familiares e ONGs de direitos humanos protestaram contra a lesbofobia, o racismo e a impunidade dos assassinos, no dia 23 de maio, em frente ao Teatro Pedro II, em Ribeirão Preto. Em homenagem à vítima, a prefeitura de São Paulo inaugurou, em 29 de setembro de 2016, o Centro de Cidadania LGBTQIAP+ Luana Barbosa dos Reis, na Zona Norte da cidade. O centro é administrado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que desenvolve ações permanentes de combate à homofobia e respeito à diversidade sexual, entre elas, as atividades do programa Transcidadania, que promove a reintegração social e o resgate da cidadania para travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade.

 

Dandara Kettley (1972-2017) – O “Caso Dandara dos Santos” refere-se ao assassinato da transexual cearense Dandara Kettley, ocorrido em 15 de fevereiro de 2017. Dandara foi espancada e executada a tiros no Bom Jardim, bairro da cidade de Fortaleza (CE). O crime teve grande repercussão quando as imagens do espancamento foram divulgadas nas redes sociais. Dandara Kettley, nascida e registrada, no ano de 1972, como Antônio Cleilson Ferreira Vasconcelos, declarou-se homossexual até os 18 anos de idade, quando se assumiu como transexual. Aos 25 anos, foi morar em São Paulo, onde ficou por uma década, dedicando-se à prostituição. Quando retornou a Fortaleza, em 2008, descobriu ser portadora de HIV. Em seus últimos anos de vida, morava no bairro Conjunto Ceará e era querida pelos moradores da região, onde trabalhava vendendo roupas usadas. O assassinato de Dandara ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2017, no bairro Bom Jardim, mas só se tornou público 16 dias depois, quando dois vídeos começaram a circular nas redes sociais. Um deles mostra a transexual sozinha, já machucada e sangrando. Ela está sentada numa área cimentada do calçamento e com uma camisa amarela na mão, usando-a para limpar o sangue. Ainda no mesmo vídeo, outras pessoas estimulam o espancamento, enquanto ela implora para não apanhar mais. Outro vídeo mostra Dandara sendo torturada por três homens, pelo fato de não conseguir subir num carrinho de mão, em razão do seu estado de saúde. Ela recebia chutes e tapas na cabeça, sendo também agredida com uma sandália e um pedaço de madeira, ao mesmo tempo em que sofria insultos. Ao fim da gravação, cinco homens se juntam para colocar Dandara no carrinho de mão e levá-la para outro local. Posteriormente, a transexual recebeu dois tiros e uma forte pedrada na cabeça, o que resultou no seu falecimento por traumatismo craniano. A investigação sobre o caso foi coordenada por delegados do 32º Distrito Policial de Bom Jardim e da Delegacia da Criança e do Adolescente. Após a repercussão do assassinato, com a divulgação de vídeos na internet, a polícia declarou que alguns envolvidos no crime haviam sido identificados, mas ainda não tinham sido presos. O caso não estava sendo amplamente divulgado para não atrapalhar as investigações. O coordenador especial de políticas públicas para LGBTQIAP+, Narciso Júnior, afirmou à imprensa que um dos suspeitos já estaria preso. Já a delegada Arlete Silveira informou que Dandara fora vítima de uma falsa acusação, de que praticava roubos e furtos, repercutida entre os moradores num tumulto em que uma pessoa gritou: "Pega ladrão!", motivando as agressões e as humilhações. A policial caracterizou o ocorrido como crime de "preconceito, ódio e atordoamento", e também revelou que Dandara nunca teve passagem pela polícia. As informações foram colhidas a partir de depoimentos de dois envolvidos, revelados em 9 de março de 2017, com a apreensão de um adolescente de 17 anos e a prisão de Rafael Alves da Silva Paiva, de 21 anos, este último dono do carrinho de mão onde Dandara havia sido colocada. Até aquele momento, outros três adultos haviam sido presos, e quatro adolescentes, apreendidos. A polícia também havia identificado mais três supostos envolvidos que estavam foragidos, além da pessoa que criou o boato. Os adolescentes apreendidos afirmaram que Dandara já havia sido agredida, anteriormente, no mesmo bairro, pelo mesmo motivo, e não demonstraram arrependimento pelo crime. Eles também informaram que o espancamento foi assistido por moradores, que nada fizeram. O juiz de Direito Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves, da 5ª Vara da Infância e da Juventude de Fortaleza, informou que um perigoso traficante do Bom Jardim havia sido o autor da filmagem do crime, e que sua divulgação tinha como objetivo mostrar que “não se pode roubar” na região. O relatório do inquérito da Polícia Civil do Ceará concluiu que o crime teve participação de 12 pessoas, sendo 8 adultos e 4 adolescentes. Em junho de 2018, a defesa de Dandara entrou com uma ação de reparação de danos morais contra o Estado do Ceará, pela demora da polícia em atender a ocorrência. A ação pediu o pagamento de R$ 1 milhão, a título de indenização, em favor da mãe da vítima. No dia 10 de março de 2017, o Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), juntamente com o Fórum Cearense LGBT, e com o apoio do Conselho Municipal LGBT, realizou, na Praça Luíza Távora, o Ato Contra LGBTfobia, em homenagem à Dandara e a outros LGBTs mortos por crimes de discriminação sexual. Em 13 de setembro de 2017, foi instituído o Dia Estadual de Combate à Transfobia no Estado do Ceará, tendo o dia 15 de fevereiro como data escolhida, em homenagem à Dandara. Em 30 de novembro de 2017, a juíza Danielle Pontes de Arruda Pinheiro, da 1ª Vara do Júri de Fortaleza, pronunciou os nomes dos cinco réus que iriam a júri popular pelos crimes de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, crueldade e recurso que impossibilitou a defesa da vítima) e corrupção de menores. Dos acusados, apenas dois estavam foragidos e um havia sido preso por outro crime. Os adolescentes estavam respondendo a atos infracionais análogos aos crimes de homicídio quadruplamente qualificado, organização criminosa e porte ilegal de arma de fogo. Ambos os julgamentos ocorreram no 1º Salão do Júri, em Fortaleza. O primeiro julgamento ocorreu no dia 5 de abril de 2018 e durou cerca de 14 horas, até a leitura da sentença, terminando por volta de meia-noite e meia. A leitura da sentença foi realizada no início da madrugada de 6 de abril. As condenações foram individualizadas, de acordo com a participação de cada réu no crime. Francisco José Monteiro de Oliveira Júnior foi condenado a 21 anos em regime fechado, por ter atirado em Dandara. Jean Victor Silva Oliveira, Rafael Alves da Silva Paiva e Francisco Gabriel dos Reis receberam pena de 16 anos: o primeiro, por haver usado a tábua de madeira no espancamento; o segundo, por ter dado chutes na vítima, e o terceiro, pelas agressões com a sandália. O último réu, Isaías da Silva Camurça, foi condenado a 14 anos e 6 meses, pelas palavras ofensivas à Dandara. As defesas de Jean e Rafael anunciaram que iriam recorrer da decisão, por entenderem que as penas foram muito elevadas, e alegaram que a agressão causada por eles não teria sido o fator determinante da morte da vítima. Foi a primeira vez, na Justiça brasileira, que uma sentença registrou motivo torpe, nominalmente citado como transfobia, como qualificante de homicídio. O sexto réu, Júlio César Braga da Costa, não foi julgado com os demais, pois havia recorrido para não ir a júri popular, por "falta de provas", o que acabou lhe sendo negado. Posteriormente, foi marcado para o dia 23 de outubro de 2018, tendo este réu sido julgado por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima) e corrupção de menores. O julgamento teve início às 13h. A juíza Danielle Pontes colheu depoimentos de três pessoas. Em seguida, foram apresentadas as teses da acusação e da defesa. Às 22h30, a magistrada fez a leitura da sentença, condenando Júlio César Braga da Costa a 16 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, por motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. O réu foi absolvido da acusação de corrupção de menores. Em 2019, a policial civil Vitória Holanda lançou o livro Casulo Dandara. Amiga de infância da transexual, Vitória tomou a iniciativa de escrever a obra, em razão da quantidade excessiva de comentários falsos na internet que atribuíam a Dandara ligações com facções criminosas ou alegações de que era traficante de drogas. O livro narra a trajetória da transexual, desde a infância até sua morte, assim como a repercussão internacional do crime. Em 14 de dezembro de 2019, data em que Dandara completaria 45 anos, o artista maranhense Rubem Robierb homenageou a transexual com uma escultura, em uma praça em Tribeca (sul da ilha de Manhattan), nos Estados Unidos. Intitulada "Máquina de sonhos: Dandara", a obra ficou até maio de 2020 em Nova York, e depois passou a ser exposta, permanentemente, em Miami (Flórida). Em entrevista à imprensa, Rubem revelou que a família de Dandara agradeceu pela obra, que, de certa forma, realizou o desejo dela, de um dia ser famosa. No dia 9 de dezembro de 2020, a Câmara Municipal de Fortaleza, a partir de uma proposta formulada por Vitória Holanda, aprovou um projeto de lei que deu o nome de Dandara Kettley a uma rua no bairro Bom Jardim. Quase 4 anos após perder a vida, Dandara foi a primeira transexual a dar seu nome a uma rua no estado do Ceará. Em 2017, a data da morte de Dandara passou a ser designada como o Dia Estadual de Combate à Transfobia. De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o Ceará foi o segundo estado brasileiro com mais mortes violentas de pessoas trans, no período de janeiro a novembro de 2020, com 19 casos, ficando atrás, apenas, de São Paulo, que registrou 21 assassinatos de travestis e transexuais, no mesmo período.  

                             

Sabrina Bittencourt (1980-2019) – ativista e feminista brasileira. Ficou mais conhecida após divulgar vários casos de abusos sexuais do médium João de Deus. Ao longo de sua curta vida, organizou mais de 30 empreendimentos sociais descentralizados e horizontais, em quatro continentes, objetivando a geração de renda para diversos grupos vulneráveis e minorias, até fevereiro de 2019, quando faleceu, aos 38 anos, segundo divulgação feita nas redes sociais pelo seu próprio filho, Gabriel Baum, então com 16 anos, alegando que sua mãe teria cometido suicídio no Líbano, por estar sofrendo ameaças de morte vindas de quadrilhas que ela havia denunciado, formadas por líderes espirituais brasileiros, acusados de abusos sexuais, e por outros criminosos, responsáveis pelo tráfico internacional de mulheres. Reconhecida socialmente por Sabrina Bittencourt, Sabrina de Campos nasceu em 24 de dezembro de 1980, na cidade de São Paulo. Mãe de três filhos, foi casada duas vezes. Investigadora em agências de inteligência e assessora de articulação em tecnologia para governos, também foi empreendedora social serial, ativista de direitos humanos e de bem-estar animal. Assim como um número expressivo de mulheres no Brasil, teve a infância e a juventude marcadas por violência física, psicológica e sexual. Foi vítima de abusos sexuais, desde os 4 anos de idade, por membros de sua família, homens da comunidade mórmon. Após uma série de abusos sexuais na infância e na adolescência, passou a ser considerada "impura" pelos integrantes da comunidade mórmon Santos dos Últimos Dias (SUD), e, mesmo denunciando seus abusadores eclesiásticos, a liderança da igreja foi omissa, quanto aos seus pedidos de socorro. Ao contrário, chegou a promover contra ela diversos tipos de retaliações. Aos 15 anos, foi estuprada por um desconhecido, posteriormente identificado como sendo Alyson Antonio França Xavier, preso em flagrante na cidade de Recife (PE), mas que não cumpriu pena, por ter conseguido fugir. O estupro resultou numa gravidez indesejada, o que fez com que Sabrina realizasse um aborto, aos 16 anos. Quatro anos mais tarde, casou-se com um homem convertido ao mormonismo, de quem sofreu violência doméstica e decidiu se separar, apenas quatro meses após o casamento, grávida de um mês de seu primeiro filho. Ao romper com esse primeiro casamento abusivo, Sabrina voltou a viver em São Paulo com o filho e reiniciou sua jornada como empreendedora social, mobilizadora de recursos e, entre outras ações, criou dezenas de empreendimentos e projetos, com o objetivo de gerar renda para mães de crianças doentes renais, pessoas com deficiência visual, mulheres surdas, mulheres idosas e jovens cineastas. Em março de 2007, inaugurou um dos primeiros negócios para pessoas com deficiência visual do país: uma clínica de massoterapia composta por massagistas cegos e assistentes com baixa visão, localizada no complexo do Teatro Júlia Bergmann, na Barra Funda, em São Paulo. Ainda no mesmo ano, casou-se, pela segunda vez, agora com o catalão Rafael Velasco. Na época, a união foi considerada o primeiro casamento ecológico do mundo aberto para o público, no Parque Trianon, em São Paulo, gerando receita para 14 Organizações Não Governamentais (ONGs). Com a cobertura ao vivo de 13 emissoras de televisão, Sabrina mostrou, na prática, como as pessoas podem criar eventos sustentáveis, a exemplo de vestidos de fibra de garrafa pet; comida orgânica e local; hospedagem em hotel com políticas claras contra a exploração sexual, além de biojoias confeccionadas por presidiárias. Como um dos resultados da cerimônia de casamento, foi produzido um documentário chamado Com um limão, duas limonadas, exibido em festivais do circuito alternativo, verde e underground, na América do Norte e em alguns países europeus. Morando em Barcelona, Sabrina apoiou a criação de alternativas para mulheres em situação de risco social e pessoal, participando de várias organizações ao redor do planeta, com base no que ela acreditava ser a sua missão de vida: ajudar a libertar inocentes de situações desumanas. Em 2015, mudou-se com sua família para o México. Na mesma época, patrocinou, criou e dirigiu laboratórios de inovação, prêmios e concursos para universitários; foi mentora de jovens de altas habilidades intelectuais; promoveu ativismo e geração de renda para povos originários, pessoas com deficiência e comunidades LGBTQIAP+. Em 2016, voltou para Barcelona e ampliou sua atuação como mentora e business angel de negócios sustentáveis. Sabrina envolveu-se, por diversas vezes, em denúncias anônimas e resgates de mulheres aliciadas para o tráfico humano em países da Europa, culminando em operações policiais de sucesso, como a Operación Carioca, e, mais recentemente, na criação do movimento Combate ao Abuso no Meio Espiritual (COAME), ocasião em que foi responsável pela denúncia coletiva às autoridades, em razão dos diversos crimes cometidos contra centenas de mulheres, por parte de líderes espirituais, como João Teixeira de Faria (mais conhecido como João de Deus), Sri Prem Baba, Edir Macedo, Gê Marques, Ananda Joy e Deva Nishok, entre outros. Na época, Sabrina formalizou denúncias ao Ministério Público de São Paulo e de Goiás, referentes aos crimes de abusos sexuais cometidos por João de Deus, além de um possível envolvimento do líder religioso com o tráfico internacional de crianças e mulheres. Devido à sua exposição nesse caso, Sabrina e sua família receberam constantes ameaças de morte. De acordo com a equipe do COAME, Sabrina preparou as demais ativistas e, juntamente com a professora Maria do Carmo Santos (conhecida pelas denúncias contra o médico Roger Abdelmassih), líder do Grupo Vítimas Unidas, trabalhou para levar às autoridades de muitos países todas as provas, e encorajou centenas de vítimas, em vários lugares do mundo, a buscarem e cobrarem as autoridades. Segundo seus familiares, Sabrina estaria no Líbano, quando teria sido levada a cometer suicídio, no dia 2 de fevereiro de 2019 (vindo a falecer no dia seguinte), em razão da pressão que sofrera, por parte de quadrilhas que ela havia denunciado, formadas por líderes espirituais brasileiros, acusados de abusos sexuais, e por outros criminosos, responsáveis pelo tráfico internacional de mulheres.

 

Marielle Franco (1979-2018) – Marielle Francisco da Silva, mais conhecida como Marielle Franco, foi uma socióloga e política brasileira. Filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), elegeu-se vereadora pela cidade do Rio de Janeiro, para a legislatura de 2017-2020, durante a eleição municipal de 2016, com a 5ª maior votação do pleito. Marielle defendeu o feminismo, os direitos humanos, e criticou duramente a intervenção federal no Rio de Janeiro e a Polícia Militar, tendo denunciado vários casos de abuso de autoridade, por parte de policiais militares, contra moradores de comunidades carentes. Filha de Marinete Francisco e Antonio da Silva Neto, Marielle Francisco da Silva nasceu no dia 27 de julho de 1979, em uma família católica, e cresceu em uma das favelas do Complexo da Maré, na Zona Norte carioca. Apresentava-se, com orgulho, como uma "cria da favela da Maré". Em 1990, aos 11 anos de idade, começou a trabalhar, juntamente com seus pais, como camelô, juntando dinheiro para ajudar a pagar seus estudos. Aos 18 anos, deixou o trabalho de vendedora ambulante e começou a exercer a função de educadora infantil em uma creche, onde ficou por 2 anos. Na adolescência, dos 14 aos 17 anos, foi dançarina da equipe de funk Furacão 2000. Em 1998, deu à luz sua primeira e única filha, Luyara, fruto de um relacionamento amoroso passageiro. No mesmo ano, matriculou-se na primeira turma de pré-vestibular comunitário, oferecido aos jovens das favelas do Complexo da Maré. A partir do ano 2000, começou a militar pelos direitos humanos, depois de uma de suas amigas ser atingida, fatalmente, numa troca de tiros entre policiais e traficantes na Maré. Em 2002, ingressou na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), graduando-se em Ciências Sociais com uma bolsa de estudos integral, obtida por meio do Programa Universidade para Todos (PROUNI). Após a formatura, ingressou na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde concluiu um curso de mestrado em Administração Pública, defendendo a dissertação intitulada "UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro". Em 2004, Marielle, que também militava pelas causas da comunidade LGBTQI+, iniciou um relacionamento amoroso com a arquiteta e urbanista Mônica Benício (atualmente, vereadora eleita pelo PSOL). Em 2017, o casal decidiu morar junto no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio, com Luyara, a filha de Marielle. Onze anos antes, na eleição estadual fluminense de 2006, Marielle Franco integrou a equipe de campanha que elegeu Marcelo Freixo para o cargo de deputado estadual da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Com a posse de Freixo, foi nomeada assessora parlamentar do deputado, trabalhando com ele durante 10 anos (Marcelo Freixo, atualmente, é deputado federal pelo PSOL). Na época do mandato estadual de Freixo, Marielle assumiu a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, nessa função, prestou auxílio jurídico e psicológico a familiares de vítimas de homicídios e de policiais vitimados. Um dos casos que ela ajudou a solucionar foi o de um policial civil assassinado por um colega. De acordo com um ex-comandante da Polícia Militar que trocava informações sobre policiais mortos com a então assessora parlamentar, "(...) é uma bobagem dizer que ela não defendia policiais". Em 2016, na sua primeira disputa eleitoral, foi eleita vereadora da capital fluminense pela coligação Mudar é possível, formada pelo PSOL e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Com mais de 46 mil votos, foi a 5ª candidata mais votada no município e a segunda mulher mais votada para o cargo de vereadora em todo o país. Na Câmara Municipal, presidiu a Comissão de Defesa da Mulher e integrou uma comissão composta por quatro pessoas, cujo objetivo era monitorar a intervenção federal no Rio de Janeiro, sendo escolhida como sua relatora em 28 de fevereiro de 2018. Era crítica da intervenção federal, assim como criticava e denunciava, constantemente, abusos policiais e violações aos direitos humanos. Como vereadora, Marielle também trabalhou na coleta de dados sobre a violência contra as mulheres; pela garantia do aborto nos casos previstos em lei, e pelo aumento da participação feminina na política. Em pouco mais de um ano, redigiu e assinou 16 projetos de lei, 2 dos quais foram aprovados: o primeiro regulamentou o serviço de mototáxi, e o segundo resultou na Lei das Casas de Parto, viabilizando a construção desses espaços, cujo objetivo principal é fomentar a realização de partos normais. Suas proposições legislativas buscaram garantir apoio aos direitos das mulheres, à comunidade LGBTQIAP+, aos negros e moradores de favelas. Em agosto de 2017, os vereadores cariocas rejeitaram, por 19 a 17 votos, sua proposta de criação do Dia da Visibilidade Lésbica no calendário municipal. No dia 14 de março de 2018, Marielle chegou à Casa das Pretas, na Rua dos Inválidos, no bairro da Lapa, no Centro do Rio, para mediar um debate promovido pelo PSOL com jovens negras, por volta das 19 horas. Segundo imagens posteriormente obtidas pela polícia, um veículo com placa de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, estava estacionado próximo ao local. Em torno de 21 horas, Marielle deixou a Casa das Pretas, em seu carro, acompanhada de uma assessora e de seu motorista, Anderson Gomes (1978-2018), que dirigia o veículo, sendo logo seguida pelo carro que ficara estacionado, à espreita. Por volta de 21h30min, na rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, Região Central do Rio, o veículo que a seguia emparelhou com o da vereadora e foram efetuados 13 disparos. Nove acertaram a lataria e quatro acertaram os vidros do veículo. Marielle foi atingida com três tiros na cabeça e um no pescoço. Já Anderson levou, ao menos, três tiros nas costas. A assessora foi atingida por estilhaços, levada depois a um hospital e liberada em seguida. Marielle e Anderson morreram no local. No início das investigações, a polícia declarou acreditar que o carro da vereadora foi perseguido por cerca de quatro quilômetros. Os executores fugiram do local sem levar quaisquer bens. Imagens retiradas de câmeras locais revelaram que um segundo veículo possivelmente teria dado cobertura aos criminosos que dispararam os tiros. No sábado anterior ao crime, Marielle denunciara, nas redes sociais, o 41º Batalhão da Polícia Militar, de Acari, que havia sido apontado pelo Instituto de Segurança Pública como o mais mortífero dos últimos cinco anos. O “Caso Marielle Franco”, como ficou conhecido, foi notícia no mundo inteiro e gerou diversas manifestações, as quais, mais de 2 anos depois, continuam pedindo justiça e buscando manter seu legado vivo. Logo após a morte da vereadora, a principal linha de investigação das autoridades competentes foi a de que seu assassinato teria sido uma execução. De acordo com a Human Rights Watch, o assassinato de Marielle relacionou-se à "impunidade existente no Rio de Janeiro" e ao "sistema de segurança falido" do estado. Após ser velado na Câmara Municipal carioca, com a presença de milhares de pessoas, o corpo da vereadora foi enterrado no dia 15 de março, no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. O assassinato de Marielle motivou reações nacionais e internacionais, como a organização de diversos protestos em todo o território brasileiro e a oposição de parte dos eurodeputados à negociação econômica entre a União Europeia e o Mercosul. A Assembleia da República de Portugal aprovou, por unanimidade, um voto de pesar pela morte de Franco, exprimindo “a mais veemente condenação pela violência e pelos crimes políticos e de ódio que aumentam de dia para dia no Brasil”. O voto foi anunciado no dia do crime pela líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, durante o debate quinzenal com o primeiro-ministro, e foi subscrito pelo presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, e pelo deputado André Silva, em texto que destacou a militância política da vereadora, em prol de minorias, e pela denúncia da violência policial. No Brasil, a Câmara dos Deputados realizou, em Brasília, uma sessão solene em homenagem à vereadora, assim como todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiram discursos de pesar. Por outro lado, pessoas e grupos políticos, representativos de segmentos da direita brasileira, como o Movimento Brasil Livre e o Movimento Vem Pra Rua, publicaram mensagens nas redes sociais, manifestando dúvidas sobre a idoneidade moral da vereadora, a exemplo de uma suposta e nunca provada ligação de Marielle com traficantes. Nas semanas seguintes, o Poder Judiciário, por meio de sentenças proferidas por magistrados distintos, determinou a remoção de publicações contendo conteúdo calunioso ou falso sobre a vereadora no Facebook e no YouTube. Em julho de 2018, a ALERJ aprovou a Lei nº 8.054/2018, que acrescentou a data de 14 de março ao Calendário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, como o Dia Marielle Franco – Dia de Luta Contra o Genocídio da Mulher Negra. Em agosto, a polícia passou a investigar o possível envolvimento da milícia carioca “Escritório do Crime” no caso. Em maio, a imprensa exibiu uma reportagem que apontou erros na investigação. Divulgou-se que o carro usado pelas vítimas foi abandonado no pátio da delegacia de homicídios durante 40 dias, sem que todas as avaliações e exames estivessem concluídos. Segundo reportagens, os corpos da vereadora e do motorista não passaram por exames de raio-x, uma vez que o Estado não possuía o equipamento. Também se descobriu que as câmeras da Prefeitura, na rua onde ocorreu o crime, foram desligadas dias antes do duplo homicídio. Alegando sigilo, autoridades e órgãos oficiais não quiseram comentar as reportagens. Em outubro, o Ministério Público do Rio de Janeiro anunciou que o uso da tecnologia da informação permitiu a identificação do biótipo do atirador. Além disso, a análise de imagens descobriu outros locais por onde passou o carro dos executores. Os promotores também visitaram o preso Orlando Curicica, e a Procuradoria-Geral da República remeteu ao MPRJ o depoimento prestado pelo presidiário aos procuradores da República, cujo conteúdo não foi revelado, para manter o sigilo das investigações. Em 12 de março de 2019, a Polícia Civil prendeu um ex-policial militar e um policial militar reformado, acusados de terem assassinado a vereadora e seu motorista. De acordo com a polícia, o policial reformado Ronnie Lessa atirou contra Marielle, e o ex-militar Élcio Vieira de Queiroz dirigiu o carro que perseguiu o veículo que levava a vereadora. No dia 3 de julho, a Polícia Civil e a Marinha articularam uma operação para encontrar as armas que teriam sido usadas no crime. A suspeita teve origem no depoimento de um barqueiro da região do Quebra-Mar, na Barra, segundo o qual um homem, mais tarde identificado como Márcio Montavano, o “Márcio Gordo” – que teria retirado as armas de endereços ligados ao policial militar reformado Ronnie Lessa, apontado como o autor do crime –, o contratou para um passeio até as Ilhas Tijucas, para a prática de pesca submarina. Segundo a polícia, além de Márcio, participaram da ação a mulher de Lessa, Elaine, o irmão dela, Bruno, e um homem chamado Josinaldo. Conforme o depoimento do barqueiro, o contratante colocou no barco uma caixa de papelão pesada, dentro da qual havia caixas menores, e uma mala de viagem. Em seguida, o homem abriu a mala, tirou seis fuzis e jogou as armas e a caixa no mar. Depois, deu R$ 300,00 ao barqueiro para pagar o transporte, chamou um táxi e foi embora. A polícia sabia que se tratava de um amigo de Lessa. Até setembro de 2019, sabia-se, de acordo com um relatório da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do Ministério Público do Rio, que o sargento da reserva da Polícia Militar Ronnie Lessa, acusado do assassinato, era chefe da milícia da Zona Oeste carioca, havia sido dono de um bingo clandestino na Barra da Tijuca, e planejava, antes de ser preso, expandir seu “negócio” de distribuição de água para áreas dominadas por traficantes de drogas na cidade. O relatório fundamentou o pedido aceito pela Justiça do Rio de Janeiro, a fim de transferir Lessa para o sistema penitenciário federal. Em outubro, o ex-policial Élcio Vieira de Queiroz foi condenado a cinco anos de prisão e pagamento de multa, pelo porte de munição e pela posse de armas de fogo, munições e carregadores, no dia em que foi preso, em 12 de março de 2019. Nessa data, policiais civis e dois promotores de Justiça foram à casa de Queiroz para cumprir uma ordem de prisão, pela suspeita de envolvimento na morte da vereadora e de seu motorista, e outra de busca e apreensão, para recolher possíveis provas do crime. Em revista, eles encontraram 8 munições de fuzil de calibre 5,56mm no seu carro e, na sua casa, uma pistola Glock calibre ponto 380, com 5 carregadores e 46 munições, além de uma pistola Taurus calibre ponto 40, com 3 carregadores e 72 munições. A pena poderia ter sido cumprida em regime aberto, se Queiroz já não estivesse preso, preventivamente, em razão dos homicídios, na Penitenciária Federal de Porto Velho (RO). A sentença foi divulgada em 11 de setembro pelo juiz da 32ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Em julho de 2020, após a prisão do empresário ligado ao Movimento Brasil Livre, Carlos Augusto de Moraes Afonso, conhecido na internet como Luciano Ayan, descobriu-se que ele havia sido o responsável por divulgar uma notícia falsa que acusava Marielle Franco de ter se relacionado com o traficante Marcinho VP, além de possuir ligações com a facção criminosa Comando Vermelho. No início de dezembro, a Polícia Civil e o Ministério Público acharam uma importante pista: Eduardo Almeida Nunes de Siqueira, morador da Muzema, favela dominada pela milícia, “clonou” um carro do mesmo modelo que foi usado no homicídio. Além disso, Siqueira era defendido pelo mesmo advogado de Ronnie Lessa, considerado o assassino executor da vereadora. Eduardo Siqueira confessou que “clonou” vários veículos, incluindo um carro muito semelhante ao automóvel usado pelos pistoleiros. Siqueira não sabia como o carro havia sido usado, mas viu muita semelhança entre o que ele “clonou” e o que foi usado no crime. A polícia também seguiu outras linhas de investigação, como a confirmação de que a ordem para matar Marielle partiu do ex-bombeiro, ex-vereador e miliciano Cristiano Girão, com o objetivo de se vingar do deputado federal Marcelo Freixo, pois Girão era um dos nomes constantes da lista da CPI das Milícias, elaborada pelo parlamentar. Outra hipótese é a de que a vereadora teria sido morta, a mando do político Domingos Brazão, o qual teria pagado R$ 500 mil pela execução. Esse fato teria sido revelado pelo miliciano Jorge Alberto Moreth, durante uma conversa telefônica com o vereador Marcello Sicilliano (PHS), segundo documentos do Ministério Público Federal. Na gravação, o miliciano teria apontado os “três verdadeiros assassinos da vereadora”: Leonardo Gouveia da Silva, o “Mad”, Leonardo Luccas Pereira, o “Leléo”, e Edmilson Gomes Menezes, o “Macaquinho”. Esses criminosos seriam matadores de aluguel, membros do referido “Escritório do Crime” e chefes de uma milícia do Morro do Fubá, na Zona Norte do Rio, de acordo com as investigações da Polícia Civil. Segundo Moreth, um dos líderes da milícia em Rio das Pedras – onde Brazão possui grande influência eleitoral –, o crime teria sido comandado por Ronald Paulo Alves Pereira, major da Polícia Militar. A ligação, encontrada no celular de Sicilliano pela Polícia Federal, teria ocorrido em 8 de fevereiro de 2019. Na época, o vereador e o miliciano Orlando Araújo eram suspeitos de envolvimento no crime. Na gravação, Sicilliano teria perguntado a Moreth quem era o mandante do crime. O miliciano teria respondido que era Brazão, adversário eleitoral do vereador. O assassinato teria sido intermediado pelo ex-PM Marcus Vinicius Reis dos Santos, o “Fininho”, também membro da milícia de Rio das Pedras. Quanto ao motivo do homicídio, poderia ser classificado como um “crime de ódio”. Porém, nada foi confirmado. Em meio a tantas dúvidas e hipóteses, uma pergunta, repetida em todos os cantos do Brasil e no exterior, infelizmente continua sem resposta: “Quem mandou matar Marielle?”. Nesse sentido, a morte da vereadora carioca tornou-se um símbolo contra toda sorte de preconceitos, sejam eles de cunho social, racial ou sexual. E inspirou as mais diversas homenagens, nos mais variados suportes, tanto pela intervenção urbana com grafites, lambe-lambes, colagens, estêncis, frases de efeito, placas, e estão espalhadas pelo Brasil, América Latina, e o restante do mundo. Seu rosto, seu corpo e seu gesto estampam centenas de murais, postes, ruas e inúmeros locais. Outras formas de lembrá-la foram desenvolvidas, como o biscuit, pipa, bandeiras, bloco de carnaval, enredo de escola de samba, costura, boneca de feltro, escultura, carimbo, funk, MPB, literatura, bolsa acadêmica, roupas, e até mesmo o nome de um Dicionário de Favelas. Marielle foi contemplada, in memoriam, pelo Congresso Nacional, em março de 2019, com o Diploma Bertha Lutz, concedidos a mulheres que prestaram relevantes contribuições na defesa dos direitos da mulher e de questões de gênero no Brasil. No dia 21 de setembro do mesmo ano, foi inaugurado, junto à Gare de l’Est, uma das principais estações de trem da cidade de Paris (FR), um jardim suspenso que recebeu o nome da vereadora. O pai, a mãe e a filha de Marielle acompanharam presencialmente a cerimônia, além de algumas autoridades francesas. O jardim possui 2,6 mil m² e tem cerca de 70 árvores, a maior parte frutíferas. O acesso é feito pela Rua d’Alsace. A homenagem foi aprovada, por unanimidade, em abril de 2019, pela Câmara Municipal de Paris. O pedido foi feito à prefeita de Paris, Anne Hidalgo, por uma rede europeia que defende a democracia no Brasil. Na Alemanha, uma rua em Colônia também leva o seu nome. Em Portugal, há uma praça em Lisboa que também a homenageia. No Carnaval de 2019, seu contagiante sorriso estampou bandeiras na Mangueira, levando a escola de samba da comunidade a ser eleita campeã do desfile. Ainda no mesmo ano, foi inaugurado o Instituto Marielle Franco, criado pela família da vereadora, com o intuito de buscar justiça sobre o caso. Além de defender a memória de Marielle, o instituto também articula a formação política para mulheres e populações negra e favelada. Anielle Franco, irmã da vereadora, é a atual diretora dessa instituição. Durante o mês de março de 2020, o Instituto Marielle Franco organizou diversas atividades para lembrar os 2 anos da morte da vereadora, e incentivou a manifestação de ações espontâneas e coletivas. Ao todo, foram 270 atividades cadastradas. Uma delas ocorreu em parceria com a Anistia Internacional. Por meio de um financiamento coletivo, foi inaugurada, em março de 2020, a Casa Marielle, um espaço de formação política e de atividades culturais, localizado no Largo de São Francisco da Prainha, região portuária do Rio de Janeiro.

bottom of page